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Sandra Caselato

O oposto do vício é a conexão

06/10/2020 04h00

Você já se sentiu alguma vez desconectada ou desconectado das pessoas à sua volta, de você mesma ou do mundo?

Eu já... Talvez na verdade tenha me sentido plenamente conectada somente quando era criança. A partir de uma certa idade, percebo que uma sensação de desconexão e não pertencimento estiveram sempre me acompanhado, mais fortemente em certos períodos e em outros momentos mais disfarçadamente, como uma leve presença de fundo.

Sei que não sou a única a me sentir assim. Esta sensação, que se manifesta muitas vezes como falta de sentido ou propósito na vida, é algo experimentado por muitas pessoas. Vivemos numa sociedade que experimenta coletivamente diversos transtornos de ansiedade, vícios e elevadas taxas de suicídio e depressão (considerada o "mal do século" pela Organização Mundial de Saúde - OMS).

Considero a conexão uma das mais importantes necessidades humanas universais. Desde que nascemos precisamos do contato físico e emocional com outros para sobreviver. Bebês humanos são os mais frágeis dentre todas as espécies, pois precisam de atenção e cuidado por vários anos. Sem este contato e cuidado inicial não sobrevivemos.

Conforme crescemos nossa necessidade de conexão não deixa de existir, porém, aprendemos numa sociedade capitalista, materialista e individualista a valorizar mais as coisas do que as relações, as pessoas e a vida. Assim vamos nos sentindo isolados, deprimidos, desconectados.

Nossa vida em sociedade muitas vezes se assemelha à de ratos de laboratório, sozinhos, isolados, cada um em sua gaiola.

Por falar em ratos, na década de 70, o professor de psicologia Bruce Alexander realizou um experimento muito interessante sobre drogas e vícios. Disponibilizou água pura e água com morfina para ratos sozinhos em gaiolas, eles se tornaram viciados na droga e a ingeriram até morrer. Decidiu então criar um Parque dos Ratos, uma espécie de parque de diversões, onde eles podiam se movimentar, brincar e interagir entre si. Neste parque, apesar da droga estar disponível o tempo todo, os ratos raramente a ingeriam e não ficavam viciados.

Esta pesquisa nos mostra que o oposto de vício não é sobriedade, mas sim conexão. Quando a vida das pessoas está preenchida de sentido, relações significativas e propósito, elas não tendem a abusar de drogas ou exibir comportamentos de vício. Ao contrário, quando as pessoas se sentem sozinhas e sem perspectiva na vida, a tendência é que fiquem deprimidas, ansiosas, estressadas e, em busca de conexão, procurem alívio em diversas formas de vício, como por exemplo, excesso de internet, jogos de azar, cigarro, bebidas alcoolicas, sexo, pornografia, drogas, trabalhar demais, etc.

Uma sociedade que em muitas maneiras induz a desconexão das pessoas com elas mesmas, umas com as outras e com o meio ambiente, acaba produzindo indivíduos infelizes. Na ausência de laços saudáveis, as pessoas acabam buscando laços prejudiciais para suprir sua necessidade de conexão.

Fico admirada com casos de pessoas que, para recobrar um senso de conexão, se isolam e se desconectam da civilização. Tenho especial curiosidade pela vida de indivíduos que decidem viver sozinhos na natureza, longe das cidades. Histórias desse tipo estão presentes em diversos lugares do mundo.

Me tocou muito assistir alguns anos atrás a uma entrevista com Vilmar Godinho, um homem que vive desde 1990 numa caverna no Vale da Utopia, em Florianópolis. Na entrevista ele fala que com a industrialização a vida do ser humano se transformou muito, estamos consumindo o planeta, e o individualismo tem tornado as pessoas sozinhas. O entrevistador pergunta então se ele não se sente sozinho. Após uma longa pausa, ele diz que se sentia sozinho quando vivia na cidade.

Neste momento entendi o profundo senso de conexão com a vida e com a natureza que ele consegue alcançar com sua forma de vida, e que tanto faz falta nas grandes cidades.