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Sandra Caselato

Pertencimento, comunidade e o poder da vulnerabilidade

11/08/2020 04h00

Sentada à mesa durante o jantar, sentia minha garganta apertada, um desconforto angustiante e conhecido, meu companheiro de adolescência. Todos comiam, conversando sobre coisas do dia a dia, enquanto em minha garganta crescia a sensação de falta de pertencimento à família aparentemente feliz em que cresci. Não parecia haver espaço para mim naquela mesa. Minha existência e minha vida interna apertadas em minha garganta, sem espaço, sem voz.

Cresci numa família em que as emoções e os sentimentos não eram muito valorizados, eram muitas vezes ignorados ou considerados vergonhosos ou sinal de desequilíbrio. Não conversávamos sobre como nos sentíamos. Às vezes havia, por parte de alguém, explosões de sentimentos há tanto tempo reprimidos, mas eram logo abafados ou deixados de lado, considerados um incômodo para todos.

Não julgo nem culpo meus pais, eles fizeram o melhor que podiam e cresceram em famílias que provavelmente tinham ainda mais dificuldade em lidar com emoções. Imagino que isso não seja incomum na maioria das famílias, já que vivemos imersos numa sociedade e cultura que tem, em geral, baixa inteligência emocional e relacional.

Expressar meus sentimentos e fazer transparente o que ocorre internamente comigo tem sido, então, uma jornada intensa e transformadora. Buscar psicoterapia aos 20 e poucos anos foi um passo corajoso para deixar de ignorar meu próprio mundo interno e começar a me aceitar e me mostrar como realmente sou. Não tem sido nada fácil, mas vem sendo um processo recompensador, pois além de experimentar mais liberdade ao ser autêntica, também dou oportunidade aos outros de me verem e me compreenderem melhor. O resultado tem sido relações mais verdadeiras e satisfatórias em minha vida.

Dizem que é comum as pessoas estudarem e ensinarem aquilo que mais precisam aprender. Para mim isso faz muito sentido. Fui estudar psicologia e diversas linhas de conhecimento que procuram entender o ser humano, as relações interpessoais e sociais; e trabalho apoiando pessoas e grupos a se conectarem e se relacionarem melhor, criando ambientes mais colaborativos e participativos, onde contribuições valiosas surgem quando todas as vozes têm espaço e são consideradas.

Brené Brown diz que a habilidade em nos sentirmos conectados é o que dá propósito e significado às nossas vidas. Se você ainda não a conhece e não leu nenhum de seus livros, sugiro que assista seu maravilhoso TED TALK "O Poder da Vulnerabilidade"! Ela conta sua trajetória como pesquisadora acadêmica e como seu trabalho a levou a uma crise de identidade e a uma grande mudança em sua vida.

Durante 10 anos Brené Brown entrevistou centenas de pessoas e chegou a conclusão de que conexão é o que dá sentido à vida e que "a única coisa que nos mantém desconectados é o medo de não sermos merecedores de conexão, de amor e de pertencimento". Descobriu que para que a conexão aconteça, precisamos permitir que sejamos realmente vistos por quem somos, precisamos nos vulnerabilizar e ter a coragem de sermos imperfeitos, com compaixão por nós mesmos. A conexão acontece como consequência da autenticidade, da disposição em abrir mão de quem achamos que deveríamos ser, para sermos plenamente quem somos de verdade.

É um paradoxo, pois a vulnerabilidade é ao mesmo tempo o centro da vergonha, do medo e da nossa luta por merecimento, mas é também o berço da alegria, da criatividade, do pertencimento e do amor.

Quando nos sentimos pertencentes, aceitos e conectados, mais nos sentimos à vontade para nos vulnerabilizarmos e nos mostrarmos verdadeiramente com todas as nossas "imperfeições", e quanto mais nos deixamos ver como realmente somos, mais nos sentimos pertencentes, aceitos e conectados. É um ciclo virtuoso que se retroalimenta fortalecendo a conexão das pessoas com elas mesmas e entre si.

Ao mesmo tempo, quando não nos sentimos seguros para nos mostrarmos como realmente somos, pois acreditamos (muitas vezes não sem razão) que precisamos nos proteger, tendemos a nos sentir desconectados e não pertencentes, e ao nos sentirmos dessa forma, ficamos ainda mais inseguros em nos vulnerabilizarmos. É um ciclo vicioso que também se retroalimenta, trazendo desconexão, isolamento e solidão.

Como somos seres interdependentes e nos desenvolvemos não apenas individualmente, mas em comunidade, valorizo muito a criação de espaços e relações de segurança, confiança e respeito, onde as vulnerabilidades e processos internos são não apenas aceitos, mas celebrados e incentivados.

Tenho esperança ao ver uma transformação cultural acontecendo em diversos âmbitos: famílias valorizando a inteligência emocional na educação de seus filhos, escolas e empresas cada vez mais incluindo em seus currículos e treinamentos o desenvolvimento de habilidades socioemocionais.

Me lembro da frase de Paulo Freire, "ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão".

Transformando a forma como nos relacionamos conosco mesmos e nos ambientes onde convivemos, podemos potencializar o senso de conexão e pertencimento uns dos outros, sendo mais autênticos, verdadeiros e vulneráveis, aceitando nossa humanidade e, assim, criando uma cultura e sociedade mais feliz.