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Sandra Caselato

Ficar sem AR TE sufoca

19/05/2020 04h00

Semana passada escrevi sobre como a arte nunca é neutra, mesmo quando pretende ser: O "pum do palhaço" da Regina Duarte e o perigo da arte "neutra".

Esta semana gostaria de falar novamente sobre arte.

Outro dia vi esta frase com jogo de palavras: "Ficar sem AR TE sufoca". A frase me fez pensar sobre a importância da arte na vida de cada um de nós e na sociedade em geral, especialmente neste momento de pandemia em que o coronavírus vem literalmente tirando o ar de tantas pessoas.

O distanciamento físico, a redução de nossos espaços de circulação e o isolamento social têm sido percebidos por muitas pessoas como um certo sufocamento.

A ansiedade e o estresse têm aumentado não apenas na vida de quem está trabalhando fora de casa, na linha de frente, mas também das pessoas que estão sozinhas em isolamento e das que estão convivendo com seus familiares numa intensidade maior do que estavam acostumados.

Os desafios têm sido muitos e a arte e a cultura vêm sendo essenciais para ajudar a enfrentar a solidão, a separação, a ansiedade e o medo.

Tenho visto muitos posts nas redes sociais sobre como as pessoas têm descoberto que podem viver sem restaurantes, lojas, carros, mas não podem viver sem música, livros e filmes.

No episódio da semana passada do GREG NEWS | LEVEZA HBO, Gregorio Duvivier fala sobre a importância da arte. Vale assistir! Segundo ele, durante a pandemia, os serviços de streaming explodiram. A Netflix ganhou quase 16 milhões de novos assinantes. A busca por conteúdo ao vivo na internet, a maioria lives de música, aumentou em quase 50 vezes no Brasil durante a quarentena.

Assim como o ar que respiramos, a arte é uma forma de expressão fundamental da experiência humana, que nos ajuda a manter a saúde e o bem-estar, especialmente neste momento desafiador que estamos vivendo.

A arte nos apoia a manter o equilíbrio emocional e a sanidade mental. Mesmo que não tenhamos plena consciência da sua importância, precisamos da nossa subjetividade para ter uma vida saudável.

Antes de uma criança começar a falar, ela canta, antes de escrever ela desenha e no momento em que consegue ficar em pé, ela dança.

No entanto, conforme vamos crescendo aprendemos em nossa socialização que há coisas "mais importantes" do que a expressão artística e a criatividade.

Desde o surgimento da metodologia científica clássica, no século XVII, que separou a mente do corpo e o sujeito do objeto, os processos subjetivos e a imaginação passaram a ser desvalorizados e relegados ao plano de misticismo ou crença.

O pensamento linear (racional, lógico, empírico) passou a ser mais valorizado em detrimento do pensamento sistêmico (mitológico, simbólico, mágico).

Consequentemente, nossa sociedade e sistema educacional tradicional nos induzem, desde crianças, a nos desconectarmos de nosso lado interno mais artístico, criativo e subjetivo, priorizando a realidade externa, "concreta" e objetiva. Aos poucos vamos perdendo a conexão com nossos sonhos, nossos sentimentos e valores mais profundos, e priorizando uma vida de obrigações e deveres, muitas vezes sem sentido. A ciência objetiva é considerada mais importante que os processos subjetivos, a fantasia e a imaginação, e a arte fica relegada a um segundo plano.

Mas, apesar de ser vista como secundária em nossa cultura hegemônica, a arte é essencial. Assim como para respirar precisamos tanto inalar quanto exalar, as dimensões objetiva e subjetiva da experiência humana são igualmente importantes para nossa saúde mental e bem-estar, não apenas individual mas também coletivo e social.

A arte possibilita nos mantermos conectados a este mundo de sonhos, de possibilidades, de reconexão da subjetividade com o mundo objetivo externo. A arte nos ajuda a processar e ressignificar o mundo, a vida e a morte, assim como a renovar nossa esperança.