Rosana Santos

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Opinião

Descarbonização da indústria exige a criação de novos negócios

Quando se fala em financiar a transição energética, a discussão, globalmente, se concentra quase que exclusivamente em formas de se apoiar a ampliação da presença de energias renováveis, principalmente, solar e eólica, nas matrizes energéticas dos países.

As características geográficas do Brasil combinadas à evolução do seu sistema energético o colocam, no entanto, numa condição bastante particular em relação ao tema.

Graças à disponibilidade de uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, entre outras características, por aqui aproximadamente 25% das emissões de gases de efeito estufa se concentram no setor de energia, enquanto a média mundial é de 75%.

Isso não significa, evidentemente, que o país esteja isento de desafios em relação às fontes renováveis.

Por um lado, é necessário sempre colocar qualidade e segurança de suprimento como elementos fundamentais da expansão e da operação do sistema elétrico. Por outro, é preciso uma vigilância contínua para evitar a expansão desnecessária da participação de fontes fósseis e a perda do grau de renovabilidade da matriz.

De qualquer forma, a situação é incomparável com a média mundial. Em termos de transição energética, pode-se considerar o Brasil em uma escala muito superior à da produção de energia propriamente dita. O país tem condições de navegar essa agenda com foco no potencial da energia limpa como vetor de desenvolvimento socioeconômico, por meio, por exemplo, de uma neoindustrialização de baixo carbono direcionada a ampliar a participação brasileira no mercado internacional, que busca cada vez mais diversificação e produtos "verdes".

Nesse contexto, a descarbonização da indústria pesada faz a diferença. De maneira geral, a indústria nacional já apresenta uma pegada de carbono bastante inferior à observada em outros países em diversos segmentos, com o de aço, alumínio, cimento e vidro. Combinado ao potencial não aproveitado de energia limpa, esse diferencial abre a oportunidade de o país se posicionar, no mercado internacional, como um fornecedor competitivo de bens e serviços descarbonizados, atraindo novos investimentos produtivos e se posicionando como um parceiro comercial relevante.

O desafio é que, na prática, esse processo de descarbonização industrial exige a criação de novos negócios, com o desenvolvimento de modelos operacionais próprios, reorganização da cadeia de fornecedores, treinamento de equipes e busca de novos consumidores, entre outras ações. Ao mesmo tempo, novas linhas produtivas instaladas nesse contexto terão de enfrentar a concorrência do mercado tradicional, inclusive nacional, já estabelecido.

Todas essas transformações envolvem riscos relevantes, exigindo condições sistêmicas e institucionais que os reduzam e possibilitem a atração saudável de investimentos.

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A redução desses riscos e a atração de capital somente ocorrerá se questões ligadas à transição energética e à descarbonização forem consideradas com a devida robustez.

Isso pressupõe, por exemplo, a definição de uma taxonomia específica, com critérios objetivos para o que pode ser considerado sustentável ou verde, certificados ou contratos firmes de demanda que sirvam de garantia à decisão de investimento e condições facilitadas e compatíveis com a dos fundos de financiamento climático.

Além disso, o desenvolvimento de um mercado de carbono é estratégico para a criação de valor para a redução de emissões, incentivando as práticas de baixo carbono. Também são fundamentais políticas econômicas que proporcionem a estabilidade e a previsibilidade necessárias para atrair investimentos e reduzir os custos de capital, em um cenário precário e controverso de juros básicos a 14,75% ao ano.

A boa notícia é que o Brasil já tem uma experiência bem-sucedida na estruturação desse tipo de mecanismo, o Plano Safra. Estruturado para fomentar a cadeia completa do agronegócio, da semente à comercialização dos produtos, passando pelo financiamento de equipamentos, armazenamento e logística, essa política de crédito público está entre as grandes responsáveis pelo sucesso da produção agropecuária do país.

Por outro lado, a maioria dos programas de financiamento climático - inclusive do Brasil - ainda insiste em soluções voltadas especificamente à oferta de energia e não ao ciclo econômico completo. Embora sigam importantes para garantir a qualidade ambiental do setor elétrico brasileiro e sua expansão segura e renovável, podem limitar os efeitos da transição energética no país, deixando-os muito aquém do possível e desejável.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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