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Rosana Jatobá

As 3 letrinhas do novo alfabeto da economia

Micheile Henderson/Unsplash
Imagem: Micheile Henderson/Unsplash

05/07/2020 04h00

A mensagem veio do porta-voz de Deus. Faz poucos dias que o Papa Francisco exortou os fiéis a retirarem seus investimentos das indústrias de combustíveis fósseis e de armas. Recomendou também ficarem de olho em empresas que podem prejudicar o meio ambiente, como as do setor de mineração. O sacerdote é um entusiasta da Sustentabilidade, sempre manifestou apoio aos acordos para conter o aquecimento global e alertou para os perigos da mudança climática. Francisco é o idealizador da Encíclica Laudato Si, em que convida a humanidade para uma "conversão ecológica", buscando novos hábitos e modelos econômicos, capazes de conciliar o consumo e o progresso com a preservação dos recursos naturais.

O "recado divino" crucifica de vez a lógica do capitalismo selvagem, que visa o lucro a qualquer custo. E reconhece o chamado capitalismo verde, no qual empresários e investidores colocam a Sustentabilidade no centro da estratégia dos negócios e abraçam a transição de um modelo de shareholder capitalism (capitalismo dos acionistas) para um modelo de stakeholder capitalism (capitalismo das partes interessadas).

"Há um reconhecimento crescente, particularmente nos Estados Unidos, de que existe uma tendência de sustentabilidade corporativa que não pode ser ignorada, veio para ficar e que está claramente ligada a investimentos", afirma Chris Fowle, diretor para as Américas do PRI (Principles for Responsible Investment), organização criada em 2006 para defender o investimento responsável.

A máxima agora é o retorno financeiro com propósito, o de lucrar pensando nas próximas gerações. Trata-se de uma mudança estrutural, apostando em um novo padrão resumido em uma sigla em inglês composta por três letrinhas: E-S-G.

E- environment ( meio ambiente)

S-social (sociedade)

G- governance (governança)

ESG é um termo cada vez mais utilizado por consultores financeiros, bancos e fundos de investimento para avaliar empresas de acordo com seus impactos e desempenho em três áreas: meio ambiente, sociedade e governança.

Indicadores Ambientais se referem ao comportamento da empresa em relação a problemas como esgotamento de recursos, mudanças climáticas, lixo e poluição.

Indicadores Sociais estão relacionados ao tratamento que a empresa atribui às pessoas, aos trabalhadores e às comunidades locais, incluindo questões de saúde e segurança.

Indicadores de Governança referem-se às políticas empresariais e governança, incluindo estratégia tributária, corrupção, estrutura e remuneração.

As empresas estão sendo "convidadas" a assumir a responsabilidade pelo impacto que geram no mundo, não apenas porque há uma cobrança da sociedade por melhores práticas, mas também porque o tema tem ocupado o centro de muitos debates envolvendo todas as principais instituições financeiras e regulatórias — incluindo as Nações Unidas, a Comissão Europeia, investidores públicos e privados e bolsa de valores. Estes debates conduziram ao lançamento de novas regulamentações locais e globais que afetam todos os operadores do mercado.

Além disso, o sistema ESG funciona como mecanismo de proteção das empresas e ajuda a reduzir o risco financeiro. Sabemos que falhas na governança de bancos e empresas, por exemplo, resultaram nas crises financeiras asiática e mundial. Sem falar que integrar o sistema ESG aos negócios traz um ganho bem definido na receita.

"Este é o único caminho para preservar as condições de vida no planeta e é um ótimo negócio. Trata-se de um mercado de pelo menos US$ 13,5 trilhões em investimentos nos próximos 15 anos. Só as soluções do projeto Low Carbon Technologies Partnership Initiative (LCTPi), por exemplo, podem gerar de 25 a 45 milhões de empregos por ano", defende Werner Roger, CIO da gestora Trigono capital.

A Trigono capital é composta apenas por empresas que seguem estritamente os critérios ESG. Graças à escolha sustentável do seu portfolio, a gestora passou incólume diante da tragédia de Brumadinho. Isso porque a única mineradora que faz parte da sua carteira, a Ferbasa, incorpora os requisitos sustentáveis de governança, sociedade e meio ambiente. Portanto, não corre os mesmos riscos de uma mineradora tradicional. Em 10 anos, a Ferbasa rendeu 183%, enquanto a Vale acumulou 75% no mesmo perdido.

O mercado financeiro foi um dos primeiros segmentos a utilizar os critérios de ESG na sua metodologia de investimentos e hoje responde por um mercado robusto. Atualmente, os ativos geridos em fundos relacionados a ESG chegam a US$ 31 trilhões.
Desde que a BlackRock, maior gestora de recursos do mundo, alertou as empresas a intensificarem esforços no combate as mudanças climáticas, em janeiro deste ano, outras advertências vieram.

Na semana passada, um grupo de investidores internacionais que gere cerca de R$ 20 trilhões em ativos, enviou uma carta aberta a embaixadas brasileiras em oito países manifestando preocupação com o aumento do desmatamento no Brasil. Um claro sinal de que só vão aportar dinheiro em países que fizerem a lição de casa com base no conceito ESG.

O movimento mundial de transição para uma economia de baixo carbono vem provocando um boom de players no mercado de capitais que anunciam a criação de fundos acessíveis, com foco em melhores práticas ambientais, sociais e de governança.

Aqui no Brasil, A XP investimentos lançou dois fundos sustentáveis, com aplicação mínima de R$ 500. A gestora Veritas Capital acaba de lançar fundo de ações com foco nas empresas do Ibovespa que tem as melhores práticas de responsabilidade social, ambiental e de governança corporativa. Entre as escolhidas estão papéis da Natura, Drogaraia e B3.

Como o nosso rico dinheirinho não cai do céu, mas pode tirar muita gente do "inferno" e salvar o planeta, o milagre da multiplicação tem nome: sistema ESG.