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Rodrigo Ratier

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Plano de Bolsonaro para a educação é amontoado de mentiras sobre o nada

 O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), discursa na posse do economista Abraham Weintraub como novo ministro da Educação em solenidade realizada no Palácio do Planalto - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), discursa na posse do economista Abraham Weintraub como novo ministro da Educação em solenidade realizada no Palácio do Planalto Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Rodrigo Ratier

10/08/2022 10h16

Para quem gosta da história de copo meio cheio, meio vazio, o provável programa de governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), adiantado pela colunista do UOL Carla Araujo, é um dedinho de água cuspida. Em relação ao plano de 2018, uma coisa melhorou: a diagramação. Também não era difícil, considerando que a versão de quatro anos atrás era um Power Point desconjuntado com gráficos surrupiados da internet. Com o peso da máquina a seu favor, Bolsonaro fez o mínimo e deve ter pedido uma coisa melhorzinha, talquei?

Mas, como a crise continua sendo também estética, o que se tem é um documento careta em 3 colunas, ao menos legíveis. E a crise ética continua: a busca reversa de imagens do Google informa que, das duas fotos que ilustram a parte sobre educação, uma aparece num projeto social da Rexona e no site da multinacional Vitafoods; a outra, num relatório sobre covid-19 da consultoria americana McKinsey. O programa de governo não traz os créditos das imagens.

A ficção só começa aí. O título da seção de educação é "seguir recuperando e avançando" na ampliação do acesso e permanência e qualidade da educação. Acesso? A pandemia e a crise econômica tiraram 650 mil crianças da escola e nada foi feito. Permanência? O estrangulamento das políticas para a área levam à multiplicação de histórias do tipo "larguei a escola porque ou eu trabalhava, ou não tinha comida". Qualidade? O governo não promoveu sequer um programa a respeito. Não consta que o infame "minha barra de ouro, minha vida", patrocinado a pastores evangélicos com recursos do MEC, se encaixe nessa modalidade.

O documento fala em construir "uma política pública voltada para a formação em todas as faixas etárias", como se o governo tivesse estado na oposição nos últimos quatro anos. E tome palavras vazias: "tecnologia", "revolução 4.0", "valor agregado", "empregabilidade", "conhecimento de ponta". Ação concreta? Nenhuma. Fonte de financiamento? Zero.

A proposta é de uma visão "de Estado", mas o plano sequer menciona a legislação educacional construída no período da redemocratização. Em conjunto, Constituição Federal, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e Plano Nacional de Educação (PNE) representam uma ossatura que, se fosse cumprida, já representaria uma revolução, como diz Andressa Pellanda, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Bolsonaro ignorou rotundamente as três peças, sobretudo o PNE, e não há qualquer indicação de que num eventual segundo mandato seja diferente. Quanto ao Plano Nacional, a versão atual vence em 2024, o que significa que um novo documento deveria estar em gestação. Nenhuma palavra sobre isso.

Temas polêmicos como a educação a distância recebem tratamento acrítico (o programa fala em usar a modalidade na formação de professores e alunos, quando a qualidade dessa proposta tem se mostrado tenebrosa). Fala-se em "fornecer fundamentos" para disciplinas escolares quando isso já existe - é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). E, há, claro, os velhos espantalhos: "pensamento crítico sem conotações ideológicas" e homeschooling, mencionado pouco sutilmente na passagem "os pais são os principais atores na educação das crianças e não o Estado!", exclamação no original porque eles gostam de gritar com a gente.

Algumas passagens soam tragicômicas: "consolidar a democratização da internet na escolas" (Bolsonaro chegou a ir ao STF para vetar internet a alunos da rede pública); "manutenção da Política Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)" (o governo ignorou a inflação e repassou menos de 1 real por dia para cada aluno comer); "estratégias para pesquisas de ponta" (seria um começo não sair tesourando bolsas para pesquisas científicas, como é praxe desta administração); "valorização dos professores" (o presidente quis até o fim descumprir a lei do Fundeb; vencido, vendeu a mentira de que o aumento seria uma "opção" sua).

Poderia-se continuar, mas acho que já deu para entender: as parcas duas páginas que tratam de educação são um amontoado de nulidades, mentiras e de propostas vagas em desacordo com as próprias ações do governo. Já ia me esquecendo da cereja do bolo: "fortalecimento da gestão democrática". "Kkkkkkkkk", como diria o próprio presidente, que o tempo todo agiu para intervir e colocar seus lambe-botas no comando de universidades públicas.

Não é preciso reforçar que o Brasil tem seríssimos problemas em educação. O momento atual, aliás, exige comprometimento para que se saiba como a máquina existente vai girar no ano que vem. Haverá revogação do teto de gastos? E quanto aos prometidos recursos do pré-sal? A administração atual foi de desmonte e qualquer plano que queira ser levado a sério precisa indicar qual será o caminho da reconstrução e como ele se dará. Porque nas raras vezes em que é sincero, Bolsonaro deixa claro que não se importa e não sabe como resolver qualquer questão da área.