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Rodrigo Ratier

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Desinteresse e envelhecimento do público desafiam o jornalismo, diz estudo

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Imagem: iStock

Rodrigo Ratier

20/06/2022 06h00

Não são boas as notícias para quem vive de notícias. O trocadilho é precário, mas serve de síntese para o Digital News Report (DNR), publicado na quarta-feira (15). Realizado anualmente pelo Instituto Reuters na Universidade de Oxford, no Reino Unido, o DNR é considerado um dos mais importantes panoramas do jornalismo mundial. A edição de 2022 contou com 93 mil entrevistados em 46 países, que juntos representam metade da população do planeta. O Brasil faz parte da amostra e contou com 2 mil entrevistas.

Tendências positivas apontadas em anos anteriores — o aumento da confiança na mídia e o crescimento de assinaturas pagas — se mostraram efêmeras. A confiança no noticiário, que havia subido no pico da pandemia, voltou a patamares pré covid-19. Em média, apenas 42% das pessoas acreditam na maioria das notícias durante a maior parte do tempo. O Brasil está acima da média (48%) e lidera a confiança no noticiário na América Latina, embora há sete anos o índice fosse de 62%. Influências políticas e econômicas aparecem como os principais motivos de descrença. Por aqui, somente 27% acreditam que o noticiário esteja imune a essas pressões.

Também declinou o interesse pelas notícias. Hoje, apenas 47% dos entrevistados se dizem muito interessados, uma queda de 20 pontos percentuais em relação a 2015. O Brasil é um dos países de queda mais acentuada. Por aqui, o índice desabou de 82% para 57% no intervalo de 7 anos.

Outro indicador negativo é a parcela da população que diz evitar as notícias - na média dos países, 38% (em 2017 eram 29%). O Brasil viu dobrar seu índice de 27% em 2017 para 54% em 2022. Entre as principais razões para fugir do noticiário estão o excesso de notícias sobre política e covid-19, efeitos negativos sobre o humor, excesso de informação e falta de confiança no conteúdo.

Também a quantidade de pessoas dispostas a pagar pelas notícias online parou de crescer. A média é de 17% da população entre os 20 países com melhores índices, o mesmo percentual encontrado em 2021. A escolha privilegia poucos títulos em cada país, uma dinâmica que o relatório nomeia como "o vencedor leva quase tudo".

O recorte social dos assinantes preocupa: eles tendem a ser mais ricos, mais velhos e mais escolarizados do que a média. Na maior parte dos países, a proporção de assinantes com menos de 30 anos não ultrapassa 20%. Não espanta que o consumo de notícias tenha aumentado em redes sociais. No Brasil, 64% dos entrevistados usaram essas plataformas para se informar na semana anterior à pesquisa. A liderança é do YouTube (43%), seguido por WhatsApp (41%) e Facebook (40%). Entre as pessoas com menos de 25 anos predomina o acesso ao noticiário pelas "portas laterais": 78% dizem se informar por meio de redes sociais, agregadores de notícias e mecanismos de busca.

"As conclusões são desafiadoras para a indústria jornalística porque os assuntos que os jornalistas consideram mais importantes são exatamente as histórias que estão afastando algumas pessoas do noticiário", afirmou Nic Newman, um dos autores da pesquisa, no podcast de lançamento do DNR.

Há mais problemas: a audiência do jornalismo envelhece e os jovens, ao privilegiar o consumo via redes sociais, entram em contato com o jornalismo quase que por acidente. De vez em quando, entre uma foto de gatinho e uma dancinha, aparece uma notícia, em geral evitada ou lida apenas parcialmente.

Outra preocupação é a diminuição do alcance do noticiário. Outro estudo do Reuters Institute apontou que, para a maioria dos veículos de mídia digital, as assinaturas ultrapassaram pela primeira vez a publicidade como fonte de receita. Isso significa que cada vez mais empresas jornalísticas estão erguendo diferentes modelos de paywall - a cobrança para ler o conteúdo -, o que leva ao risco de circunscrever o jornalismo a uma elite pagante. O grosso da população, por outro lado, teria à disposição no ambiente online somente os veículos das redes sociais, muitos deles de reputação questionável.

Os resultados do DNR podem alegrar quem vem demonizando a mídia e o jornalismo com interesses econômicos ou políticos. Para o resto da população, mesmo para quem vê o jornalismo como inimigo a ser combatido, multiplicam-se os motivos de preocupação. O jornalismo é a profissão socialmente legitimada para realizar o relato da atualidade, com procedimentos e métodos para se ater ao que efetivamente aconteceu. Uma coisa é questionar a qualidade do trabalho. Outra, bem diferente, é negar a importância da atividade jornalística em si.

A queda no interesse pelas notícias levanta a questão: se não se informarem, qual bússola as pessoas vão usar para navegar no dia a dia? Coreografias do TikTok, opiniões de influencers e desinformação política? A função do jornalismo é fornecer informação precisa e contextualizada para que as pessoas sejam capazes de tomar boas decisões - e, com sorte, governar autonomamente suas vidas. Sem ele, abre-se o caminho para, de um lado, a instrumentalização das audiências pelo discurso político ou econômico; de outro, para a alienação pelo entretenimento. Nenhum dos dois caminhos parece promissor.