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Rodrigo Ratier

REPORTAGEM

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Promessa para SP, expansão de aulas é só online em 90% das escolas do Médio

August de Richelieu/Pexels
Imagem: August de Richelieu/Pexels

Rodrigo Ratier

06/06/2022 06h00

Uma das vedetes da proposta do novo Ensino Médio em São Paulo, a expansão da carga horária ainda é, literalmente, uma realidade virtual. Um levantamento indica que, em cerca de 90% da rede estadual, as aulas extras são oferecidas apenas na modalidade a distância, que durante a pandemia registrou baixíssimos índices de frequência de alunos.

O estudo, baseado em dados da própria Secretaria da Educação (Seduc-SP) obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, é de autoria da Rede Escola Pública e Universidade (Repu), formada por um grupo de pesquisadores de universidades públicas paulistas. Os dados sobre a expansão da carga horária incluem 2.371 das cerca de 5 mil escolas da rede estadual. Ficam de fora as 2 mil escolas do Programa Ensino Integral (PEI), que já possuem jornadas escolares ampliadas de sete e nove horas diárias.

O aumento de carga horária está previsto na lei que estabeleceu a reforma do ensino médio no Brasil, em 2017. Segundo a regulamentação, as redes devem oferecer pelo menos 1.000 horas anuais de aulas a partir de 2022. Em São Paulo, a medida atinge sobretudo o ensino noturno, que ofertava, até 2021, apenas 750 horas por ano. Com a reforma, alunos do noturno passam a ter 33 aulas em vez das 25 anteriores.

A pesquisa da Repu mostra que a grande maioria das turmas (90,3%) só tem acesso às aulas extras na modalidade online. Os dados consideram os dois períodos, diurno e noturno, e classes do 1º e 2º anos do Ensino Médio. No recorte pelas turmas dos calouros da noite, a situação é ainda mais crítica: somente 0,4% têm acesso a aulas presenciais (87,9% estudam online e 11,7% em modelos híbridos).

A grande preocupação é com a efetividade do ensino a distância. Para realizar a expansão de carga, a rede estadual tem recorrido à estrutura do Centro de Mídias, a mesma utilizada durante a pandemia.

Baixa frequência nas aulas online

Na época, o acesso dos alunos foi preocupante. Um relatório de fiscalização do Tribunal de Contas do Estado revelou que 81% dos estudantes da rede estadual — o equivalente a 2,62 milhões de alunos — se conectaram por no máximo duas horas ao longo de oito meses de aula em 2020. 53% sequer fez login no sistema e a frequência foi evaporando ao longo do ano letivo. Em dezembro, último mês de aula, menos de 3% estavam participando.

O temor é de que a situação esteja se repetindo. "É provável que a maioria dos estudantes do noturno tenha carga horária inferior ao estabelecido em lei", afirma Fernando Cássio, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e um dos autores do estudo. Para investigar a suspeita, os pesquisadores ouviram professores em 28 escolas, que reportaram "frequências baixíssimas" dos estudantes nos cursos online, inclusive em disciplinas do núcleo comum. "No 1º ano, alunos do noturno estão tendo aulas de Sociologia, Língua Portuguesa e Matemática a distância", diz Fernando.

A coluna solicitou à Seduc na quinta-feira (2) informações sobre a assiduidade dos alunos nas aulas online. Até a conclusão deste texto, na manhã do domingo (5), não houve resposta. O texto será atualizado caso o retorno se efetive.

Em entrevista, Gustavo Mendonça, gestor do Ensino Médio na Seduc-SP, confirma que a expansão de carga tem sido realizada majoritariamente a distância. Gustavo afirma que o primeiro ano de implantação do projeto é de "aprendizado" e que a Secretaria está "aberta a adaptações" a partir da escuta de professores e alunos. "É importante dizer também que nenhuma aula que era oferecida presencialmente passou para o online. Isso ocorre apenas com a expansão", completa.

Falta de professores e pouca opção de escolha

Além da questão da carga horária, o estudo da Repu apontou problemas nos itinerários formativos, a parte do currículo que os alunos podem escolher de acordo com seus interesses. O levantamento mostrou que escolas com pior nível socioeconômico têm menos itinerários disponíveis - 83% das instituições oferecem somente de 2 a 4 itinerários, entre as 10 opções disponíveis. Ainda de acordo com o levantamento, 22% das aulas da parte diversificada do Ensino Médio não tinham professor. À jornalista Angela Pinho, da Folha de S. Paulo, a Seduc informou que 17% das aulas estavam sem docentes. Ou seja, quase um dia por semana.

"Sem expansão da infraestrutura e contratação de profissionais, o Novo Ensino Médio não vai cumprir o que promete", afirma Fernando. "Há pouca liberdade de escolha, faltam docentes e a expansão de carga não gera aprendizado". Em entrevista à TV Bandeirantes, Rodrigo Garcia (PSDB), governador de São Paulo, pediu que se veja "o copo meio cheio". "Se há 22% de aulas não dadas, tem 78% de aulas dadas. Expandimos o ensino integral de 100 mil para 1,1 milhão de alunos."