Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
BBB da vida real também convida ao botão de desistência
Entretenimento e treta formam um trava-língua e, ao que tudo indica, um casamento indispensável no BBB. Como se sabe, no domingo de Carnaval, Tiago Abravanel não quis consumar essa união estável e apertou o botão de desistência. Ao que Boninho, dono do programa, reagiu com um recado aos brothers: "o jogo é para os fortes".
O "jogo". Corta para o lado de fora da casa e a constatação de que vida real e BBB estão cada vez mais parecidos. Não porque o reality esteja se aproximando da realidade, mas ao contrário: a vida é que está cada vez mais BBB. Mais performance, nos dois sentidos do termo, o de atuação — as amostras estão a um deslizar de dedos no Instagram — e o de desempenho.
Lá como cá, o "jogo" é o mesmo: competir. Dentro das regras, se possível; fora delas, se for o caso. Alianças de conveniência, mentiras, traições. Isso também tem seu valor no BBB da vida real.
Aqui também o prêmio de R$ 1,5 milhão é só para um, o que implica necessariamente em deixar outros para trás. Com o uso ostensivo da palavra loser, os norte-americanos são os que melhor expressam o fardo socialmente atribuído aos que ficam pelo caminho - todos nós, em algum ponto da vida.
Corta para Ted Lasso, série da Apple TV que assisto com certo atraso. Trata-se da jornada de herói de um treinador obscuro de futebol americano contratado para dar um jeito num time medíocre da Premier League inglesa. Como Abravanel, Lasso é meio coach, no sentido brasileiro-irônico da palavra, e também rejeita a competição.
A vibe badabaduê não pega bem junto à turma do fictício AFC Richmond. "Punheteiro", é como os torcedores se referem ao técnico. "Como todos aqui, estou contando os dias para você ir embora", resume o único jogador campeão do elenco. Mas isso é o começo da série, Lasso é adorável e seu otimismo tem o poder de, aos poucos, ir desarmando os críticos. Ganhar segue sendo a meta, mas perder não é o fim do mundo. Um vergonhoso 4 a 1 em casa é celebrado no vestiário ao som de rap e bolo de aniversário. Frase lapidar: "Não ligo muito para vitórias ou derrotas. Ligo para fazer os jogadores serem o melhor que podem ser, dentro e fora de campo."
Volta para o BBB. Abravanel não é Lasso, e parece haver, sim, um bocado de cálculo em sua jornada de paz e amor - uma performance, voltamos à palavra, para evitar o cancelamento. O ponto é que não há espaço para sua estratégia de concórdia porque o jogo é um só: vencer, sobretudo pelo conflito. A retirada sumária de sua imagem da abertura do programa simboliza a impossibilidade desse "outro mundo possível".
Falo do BBB ou da vida real? Na xepa do dia a dia, em nosso mundo de circo sem pão, que tratamento temos reservado aos rejeitam a competição? Ficou para trás o tempo em que era possível imaginar um mundo menos competitivo, cuja meta, num certo sentido, era que todos vencessem. Socialismo e - buuu! - comunismo eram alguns dos nomes que se davam aos projetos políticos que almejavam esse objetivo.
O fracasso das experiências reais, com seu legado de mortes e autoritarismo, parece ter interditado não apenas esses projetos coletivos, mas as trajetórias individuais desviantes. Aos "ingênuos", "idealistas", "fracos" - na melhor palavra, "perdedores" -, o botão da desistência e o apagamento. Felizmente em um ponto BBB e vida real se separam. Se lá dentro é impossível conceber um jogo com outras regras, por aqui ainda é possível sonhar.
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