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Rodrigo Ratier

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

O castelo de mentiras de Bolsonaro desabou. Será suficiente?

Jair Bolsonaro na cerimônia de inauguração da ponte sobre o Rio Madeira, BR-364, Distrito de Abunã - Anderson Riedel/Presidência da Rep´´ubl
Jair Bolsonaro na cerimônia de inauguração da ponte sobre o Rio Madeira, BR-364, Distrito de Abunã Imagem: Anderson Riedel/Presidência da Rep´´ubl

Rodrigo Ratier

17/05/2021 06h00

Considere o tuíte abaixo:

Vou repetir aqui. O presidente Jair Bolsonaro decretou "ponto final na CPI" porque, segundo o gerente geral da Pfizer, "o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a ter o registro da vacina."

Bolsonaro mentiu?

Não. Assim como não é mentira que, em 8 de julho de 2014, o Brasil fez 1 gol contra a Alemanha. Como se sabe, infelizmente levou 7. E, agora, como sabemos, o tuíte de Bolsonaro não conta tudo o que Carlos Murillo, gerente-geral da farmacêutica, declarou aos senadores na CPI. Na sabatina de quinta-feira (13), Murillo revelou que o governo federal deu de ombros para pelo menos 5 ofertas de vacina — 4,5 milhões de doses, ou 20% a mais do que foi aplicado até 31 de março. Uma goleada mortal — e convenhamos que é até bondade de nossa comparação considerar a declaração recortada pelo capitão reformado como um tento. Em 21 de fevereiro de 2021, data do registro definitivo do imunizante da Pfizer, não havia sequer uma gota da vacina em território nacional para ser injetada nos braços dos brasileiros. Aprovou-se o nada.

Assim é Bolsonaro. Um mentiroso, que quando não inventa fatos, distorce, conta meias-verdades, oculta maliciosamente, imputa culpas a terceiros e elucubra explicações paranoicas para encobrir sua maldade colossal e gigantesca incompetência. A agência de checagem Aos Fatos mantém um placar interessante sobre as patacoadas do presidente. Do início do mandato até 13 de maio, foram 2.985 declarações falsas ou distorcidas. Média de 3,5 patranhas por dia, um escândalo suficiente para naturalizarmos o fato de que o presidente do país simplesmente não é uma pessoa confiável.

A novidade é que o tamanho das pernas das mentiras começa a ser medido. Cálculo do epidemiologista Pedro Hallal indica que a assinatura do acordo com a Pfizer no tempo certo teria poupado 5 mil vidas e 23 mil internações. Logo surgirão outras estimativas relativas às vidas perdidas pela sabotagem sistemática ao isolamento social e pela insistência na cloroquina. A conta do genocídio vai ficar mais clara — e subir.

O castelo de mentiras do bolsonarismo vai desabando. Será o suficiente? O último DataFolha registra 51% de ruim e péssimo na avaliação popular sobre a gestão presidencial da pandemia. A tendência de perda de popularidade tem sido lenta e nem sempre inequívoca. Quem gritou "agora já era" a cada nova atrocidade se decepcionava logo em seguida. Para muitas pessoas, a opção por alguém tão lamentável foi um investimento grande e difícil de abandonar. Ainda mais se considerarmos o contexto social atual, o da pós-verdade, marcado pela prevalência das emoções sobre a razão na tomada de decisões na vida prática.

Isso não significa que a racionalidade acabou. A melhor forma de enxergar o embate emoção x razão é desenhando uma linha contínua de um pólo a outro. Há pessoas que se situam em um ou outro extremo, enquanto a grande maioria se posiciona em espaços intermediários. Há, portanto, uma disputa, que pelo desenrolar lembra mais uma maratona do que uma corrida de 100 metros. Como serão recebidas as possíveis melhoras da situação sanitária e econômica com o avanço — ainda que lento e tardio — da vacinação? Ou, mais imediatamente, com as conclusões da CPI, que caminham no sentido de reunir provas de negligência no combate à covid-19 e reforço da tese de que houve, sim, genocídio?

De concreto, apenas a certeza de que, para um grupo não desprezível de brasileiros, fatos que passaram, que ocorrem e que virão não importam. Esse contingente se relaciona com Bolsonaro de forma puramente emocional, baseado no carisma — a crença em dons extraordinários do líder. É o que lhes restará, já que a cada dia fica mais difícil encontrar uma razão, qualquer que seja, para defender o presidente e suas mentiras.