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Rodrigo Ratier

Um desejo para 2021: relação saudável com as redes sociais

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Rodrigo Ratier

11/01/2021 04h00

Se há algo a reter do documentário "O Dilema das Redes", febre na Netflix no ano passado, é o poder viciante das mídias sociais. A constatação ganha força porque quem dá testemunho de dependência são "insiders" do Vale do Silício. Gente que esteve na prancheta de desenvolvimento de Google, Instagram, Twitter e Facebook. Hoje, fora das big techs, reconhecem os malefícios que muitas vezes ajudaram a criar, e adotam posturas restritivas para suas vidas em termos de contato com as mídias sociais.

Deletar as redes é uma impossibilidade para a maioria dos mortais, como reconhece o próprio autor do livro com 10 argumentos a favor do twitter-insta-facebookcídio. Muita gente não quer ou não pode sair das redes. Gosto de pensar que pertenço ao segundo grupo — a visibilidade digital é uma estratégia importante para divulgar meu trabalho —, mas receio que a vontade de viver desconectado não seja tão relevante assim em mim. Na verdade, há um ou vários quês de dependência em meu comportamento.

Cada um sabe onde o calo aperta. Para alguns, a dependência vem do medo de perder alguma coisa — o que em inglês é o tal FOMO, "fear of missing out", sigla para o temor de ficar por fora da última moda. Outros se alimentam do reconhecimento, capital simbólico que, de uma forma ou de outra, todos buscamos e que as redes sociais souberam captar tão bem com seus botões de engajamento. Quase todos, por fim, sucumbem ao scroll de timelines em qualquer intervalo de tédio ou de solidão com os próprios pensamentos.

No meu caso, há um pouco das três coisas, materializando-se concretamente com mais força nos grupos de WhatsApp. Em algum momento imaginei que a presença em diversos deles seria importante para me inteirar dos debates mais relevantes em temas que aprecio, como política e educação. O desejo de reconhecimento me levou muitas vezes a participar ativa e acaloradamente das discussões.

A overdose de eleições — americanas e municipais — me levou a um caminho diferente. Estava passando tempo demais nos grupos, estava me irritando demais na defesa de causas que, enfim, não eram tão relevantes assim. No fim das contas, minhas ideias não são quem eu sou. Resolvi sair de todos os grupos por um período de 15 dias, ver o que acontecia e, depois, voltar, se fosse o caso.

O que aconteceu? Por um lado, nada. Não perdi nada de fundamentalmente importante. Quem realmente precisou me contatar me acionou em privado. De outro, muito: ganhei mais tempo, senti minha cabeça menos poluída do que o habitual, recorri muito menos ao constrangedor expediente de dar uma olhadinha no celular enquanto estou brincando com minhas filhas. Depois de um tempo, até retornei a um e outro grupo, agora mais como observador do que como protagonista de tretas.

Nas demais redes, tenho feito a opção pelo uso profissional tanto quanto possível. Nada de fotos de família, comemorações de vitórias futebolísticas ou exibicionismos acerca das parcas iguarias que sei preparar. Pouco prejuízo nessa seara também. O relativo distanciamento tem mostrado que não há nada de essencial acontecendo nas redes, e de que o abuso no consumo advém quase sempre dos gatilhos tóxicos: hedonismo e mexerico no Instagram, beligerância no Face (menos) e no Twitter (mais).

Mas não foi e não é uma saída tranquila. Várias vezes ao dia aparece a vontade de dar uma espiadinha no Zap e adjacências — isso para mim é o que evidencia o caráter viciante dessas mídias. Tenho optado por evitar que a oportunidade esteja à vista. Notificações estavam desligadas desde sempre: são elas as principais iscas para nos capturar por horas a fio diante das telas. Passei a vetar o celular no quarto, antes de dormir e, quando estou com minhas filhas, desligo o aparelho. Pode parecer bobagem, mas o ato de ligá-lo e de esperar a inicialização já funciona como uma barreira para o uso.

Entre as competências trabalhadas na educação midiática, há bastante ênfase para o desenvolvimento de uma postura crítica na produção e recepção de conteúdos digitais. O foco na criticidade é importante, mas pode gerar um exclusivismo que nubla outras habilidades igualmente relevantes, mas menos reconhecidas. Uma delas, a "maturidade", segundo o teórico venezuelano José Martinez de Toda y Terrero, diz respeito à capacidade de controlar os impulsos diante das mídias, estabelecendo uma relação em que a busca por qualquer gratificação em seu uso seja um meio para a informação e o entretenimento, e não um fim em si mesmo.

Trocando em miúdos, saber ligar e desligar os meios de comunicação contemporâneos é, sim, coisa que se aprende e pode ser posta em prática. Claro que há um tanto de repressão, mas não é parte da vida adulta entender que nem todo desejo pode (ou deveria) se converter em ação? O nível ótimo de presença digital vai variar de pessoa para pessoa. A evidência do celular atrapalhar outra atividade do dia a dia ou relações com pessoas de carne e osso segue sendo o melhor sinal de que, provavelmente, será necessário mudar alguma coisa no uso das redes. Minha vida melhorou ao ouvir esse aviso.