Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Caminhos que estamos trilhando além da atmosfera
Há alguns dias, acompanhei um dos painéis organizados pelo Fórum Econômico Mundial, durante a última edição do tradicional encontro de chefes de estado em Davos. O objetivo era discutir o papel estratégico das viagens espaciais neste momento da humanidade e do planeta. Ancorada pela premiada jornalista do New York Times, Rebecca Blumenstein, a conferência foi realizada remotamente e contou com um time de notáveis lideranças, como Al Gore (vice-presidente dos Estados Unidos), Josef Aschbacher (Diretor Geral da Agência Espacial Europeia) e o astronauta alemão Matthias Maurer.
O grande charme do painel foi o fato de que Matthias estava falando ao vivo, diretamente do espaço, onde está há meses habitando uma estação internacional. Apesar de esse tipo de comunicação acontecer há anos, confesso que foi a primeira vez que assisti, em tempo real, a uma conversa com um ser humano em órbita. Isso já foi suficiente para que eu me emocionasse, sendo provocado a refletir sobre a magnífica capacidade de ultrapassar fronteiras desconhecidas desenvolvida pela nossa espécie.
Ao aparecer na tela, Matthias saudou os espectadores com um curioso "bom dia, boa tarde, boa noite", já que a referida estação dá 16 voltas na Terra por dia - uma a cada 90 minutos. Explicou que havia acabado de fazer exercícios físicos e tomar um banho com toalhas molhadas. O fato de estar em um ambiente sem gravidade obriga os astronautas a seguir uma rígida rotina de atividades físicas, tendo em vista o risco de haver severo comprometimento muscular e ósseo em tripulantes de expedições de longa duração. Essa rotina envolvia corrida em esteira, bicicleta ergométrica e musculação.
O papel das estações espaciais é pouco conhecido pelo público em geral. Há muito mais nesses projetos do que apenas avaliar a capacidade que uma pessoa tem de ficar longos períodos em meios sem gravidade e de área extremamente restrita. Pesquisas com microrganismos, por exemplo, revelam importantes informações sobre a mutação de seres unicelulares, cujo ritmo é mais intenso no espaço. Ao mesmo tempo, tais estações permitem que façamos um acompanhamento minucioso, por imagem, daquilo que se passa na superfície da Terra. Isso nos traz uma valiosa oportunidade de monitoramento de fenômenos relacionados à preservação do planeta.
O painel abordou, também, os impactos negativos das viagens espaciais, tanto no meio ambiente terrestre quanto no próprio espaço exterior. Cada nave lançada deixa resíduos sólidos de diferentes tamanhos. Hoje, estima-se que existam mais de 40 mil objetos metálicos circulando a Terra. Tais detritos oferecem riscos aos próprios astronautas. Matthias citou que precisou se proteger em um abrigo durante um de seus passeios fora da estação, diante da probabilidade de ser atingido. Esses detritos em órbita são também uma ameaça aos satélites que desempenham imprescindíveis atividades no campo da comunicação.
O ano passado foi marcado pelo início de uma nova etapa da indústria espacial, agora com diferentes empresas privadas que oferecem passeios turísticos a preços suntuosos. São inúmeras as críticas a essas iniciativas, tendo em vista sua aparente futilidade e seu contraste perante as profundas carências sociais que nos assolam. No entanto, Matthias aponta o potencial que guardam quanto a uma maior conscientização sobre a inevitável interdependência entre cada ser vivo que habita o globo. Nesse sentido, faz uma comparação da Terra às antigas embarcações que realizaram as primeiras travessias do Atlântico. Sobreviveram e cumpriram sua missão graças à união e esforço coletivo de suas tripulações. Da mesma forma, o planeta poderá vencer os gigantescos desafios ambientais que teremos pela frente, somente se a cooperação verdadeira entre as nações estiver presente no hino cantado pelos habitantes desse grande navio azul.
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