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Rodrigo Hübner Mendes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que uma avaliação biopsicossocial da deficiência?

Pixabay
Imagem: Pixabay

26/11/2021 10h50

Historicamente, as questões ligadas às pessoas com deficiência foram sempre muito influenciadas pela área da saúde. A definição, o diagnóstico e os encaminhamentos estavam sob a responsabilidade de profissionais orientados para o aspecto clínico, para os impedimentos que estão na pessoa, que podem ser físicos, intelectuais, sensoriais etc. É o que se chama de modelo médico da deficiência.

Essa concepção vigorou até meados dos anos 2000, quando a ONU publicou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Tal documento é considerado atualmente o principal marco de diretrizes e recomendações para os estados membros das Nações Unidas e traz uma nova definição, geradora de uma grande ruptura de perspectiva e de visão. Segundo a Convenção, a deficiência é resultante da combinação entre dois fatores que se inter-relacionam: em primeiro lugar, os impedimentos clínicos que citei - os quais já vinham sendo considerados pelo modelo médico - e, em segundo lugar, as barreiras que estão ao redor das pessoas, que permeiam a arquitetura, os meios de transporte, as escolas e, acima de tudo, a nossa atitude. Traduzindo em miúdos, a deficiência deixa de ser uma condição estática e passa a ser uma condição relacional, que depende do volume de obstáculos que estão no entorno da pessoa. De nada adianta equiparmos um cadeirante com tecnologias de última geração, por exemplo, se os espaços públicos não respeitarem os padrões de acessibilidade previstos.

Nesse sentido, como estabelecer um mecanismo de avaliação que dialogue com essa definição? É aí que surge a necessidade de elaborarmos e implementarmos um novo modelo, que vá além da análise clínica feita por médicos e contemple também o amplo conjunto de entraves mencionado. Como resposta a essa demanda, tem sido discutida a criação de uma avaliação, conduzida por uma equipe multidisciplinar, capaz de abarcar não apenas impedimentos nas funções ou estruturas do corpo (fator biológico), mas também as condições de autonomia, os fatores psicológicos e, principalmente, as barreiras impostas (fator socioambiental).

Cabe lembrar que dados são insumos imprescindíveis para a produção de pesquisas e políticas públicas aptas a promover impactos com eficiência. A avaliação biopsicossocial representa uma ferramenta fundamental para que todos os órgãos oficiais abordem a deficiência da mesma forma, de maneira que os dados disponíveis sejam consistentes. Além disso, a avaliação vai reconhecer quem é ou não destinatário de políticas afirmativas como, por exemplo, cotas, isenção fiscal, programas de transferência de renda como Benefício de Prestação Continuada (BPC), aposentaria etc. É claro que sua criação está longe de ser trivial e exige um debate democrático e de qualidade. Nas questões raciais, hoje já se tem convencionado que o modo de avaliação é a autodeclaração complementada, caso necessário, pelo parecer de comitês que avaliam aspectos do fenótipo (aparência da pessoa) para evitar possíveis fraudes. Porém, para chegar nesse resultado houve intensa discussão social. É o que está em curso nos movimentos de pessoas com deficiência.

Segundo Ana Cláudia Mendes de Figueiredo, que representou o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade) em discussões sobre o tema nos últimos anos, dispor de um modelo unificado de avaliação biopsicossocial é uma premissa para que avancemos na inclusão e participação social das pessoas com deficiência. Ao mesmo tempo, alerta para a necessidade de um alinhamento do instrumento à Convenção da ONU mencionada. Caso contrário, o mecanismo pode ser manipulado para a marginalização de pessoas e a violação de direitos. Nas palavras de Izabel Maior, expoente liderança no campo, "A avaliação da deficiência no país tem que ter, acima de tudo, preceitos éticos e de justiça social para eleger as pessoas destinatárias das diversas políticas públicas de forma adequada."

Está prevista para as próximas semanas a divulgação pelo Governo Federal do instrumento que será adotado no Brasil. Esperamos que ele esteja em sintonia com o modelo social da deficiência, de forma a jogar a favor da equidade.