Topo

Rodrigo Hübner Mendes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bienal dá luz a retratos da liberdade

Vista dos retratos de Frederick Douglass na 34ª Bienal de São Paulo - Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo
Vista dos retratos de Frederick Douglass na 34ª Bienal de São Paulo Imagem: Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Rodrigo Hübner Mendes

15/10/2021 06h00

Uma das instalações que mais me chamou a atenção na atual edição da Bienal é a parede em que estão expostas 140 fotografias de um homem negro, em diversas etapas da vida. Reza a tradição jornalística que ele teria sido o norte-americano mais fotografado em todo o século 19.

Trata-se de Frederick Douglass, um dos mais importantes líderes abolicionistas dos Estados Unidos. Mas qual é a história por trás dessas imagens? Douglass - cujo nome verdadeiro era Frederick Washington Bailey - teve uma infância e adolescência muito duras. Filho de pai branco (que não conheceu) e mãe negra, foi dela afastado ainda muito pequeno. Isso era comum nas grandes propriedades rurais: as mães, na maior parte das vezes jovens e fortes para o trabalho na lavoura, com frequência eram separadas dos filhos para trabalhar em plantações distantes. O pequeno Frederick cresceu criado pela avó e só pôde ver a mãe poucas vezes durante toda a sua vida, já que tinha apenas sete anos de idade quando ela morreu.

O menino teve a sorte de ser entregue a um casal aparentado do dono da imensa fazenda em que vivia. Ali, sua patroa o ensinou a ler, o que serviu de alavanca para o futuro do garoto. Quando foi devolvido ao proprietário, fazia tudo o que podia para exercitar a leitura, inclusive buscar jornais velhos no lixo. No entanto, foi submetido às durezas da vida de uma pessoa escravizada, principalmente ao trabalho árduo e aos castigos físicos.

Aos 20 anos, conseguiu fugir da fazenda, valendo-se dos documentos de um escravo liberto que conhecera. Foi nessa ocasião que adotou o nome pelo qual ficou conhecido. Trabalhando em um navio, conseguiu chegar a Nova York, onde logo fez contato com abolicionistas, que ficaram muito impressionados com sua habilidade com as palavras. Não demorou para que se tornasse a mais importante liderança da causa da abolição nos EUA, tendo inclusive pressionado o presidente Abraham Lincoln para que a decretasse. Foi embaixador no Haiti e encarregado de negócios na República Dominicana. Morreu de enfarte, no mesmo ano de sua volta aos Estados Unidos, 1895, aos 77 anos.

As fotografias que preenchem uma das paredes do segundo andar do Pavilhão da Bienal atuam como a continuidade da mensagem que Frederick desejava transmitir ao mundo. Ao se deixar fotografar tantas vezes, seu objetivo era igualar negros e brancos por meio da popularização de sua imagem, o que propagava a percepção de que um ex-escravo podia ser retratado com a mesma fidelidade propiciada por uma pintura a óleo produzida por um artista de renome. Agora, em pleno século 21, o homem mais fotografado do século 19 nos EUA tornou-se, ele mesmo, arte. Que, aqui no Brasil, torne-se também inspiração.