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Rodrigo Hübner Mendes

Novas evidências da resiliência de nossos professores

26/06/2020 11h28

Em março, na semana seguinte ao fechamento das escolas, criamos um grupo de trabalho para monitorar o que iria acontecer com as redes de ensino, já com uma enorme angústia em relação ao impacto do isolamento nos públicos mais vulneráveis. E um dos principais aspectos dessa preocupação era o vínculo entre as escolas e as famílias. Como que as equipes dariam conta da tarefa de manter a relação viva diante da brutal desigualdade quanto às questões de acesso à internet, equipamentos e condições de moradia? A gente logo produziu um relato sobre uma escola particular de São Paulo que criou um amplo conjunto de estratégias para dar continuidade ao calendário escolar, sem deixar ninguém para trás. Isso envolvia roteiros de atividades com flexibilizações, acompanhamento diário das turmas e a manutenção do diálogo com pais e alunos. Só que estávamos falando de uma escola de elite, que não corresponde à realidade da grande maioria das instituições de ensino e da carência de infraestrutura enfrentada por seu corpo discente. O principal motivo da angústia era, portanto, o que fazer para que esses alunos pudessem também continuar suas atividades escolares, continuar sua aprendizagem.

Sem querer minimizar o desafio que estamos enfrentando (e que ainda vamos enfrentar com a reabertura das escolas), acredito que os relatos que tenho acompanhado nos trazem sinais de uma surpreendente capacidade de reação e de proatividade dos profissionais que atuam nas redes de todo o país. Mirando, então, minha lente para os fatos positivos, três fatores se destacam:

Em primeiro lugar, os relatos indicam que as equipes vêm se desdobrando para que o vínculo com as famílias não seja prejudicado. Em alguns casos, eu arrisco a dizer que esse vínculo foi fortalecido. Isso fica bastante evidente em dezenas de casos, como o de Janaína, diretora em Nova Friburgo, que criou a Rede de Acolhimento Permanente na Quarentena, que tem atuado não só como um canal de escuta das famílias sobre o desenvolvimento dos alunos, mas também sobre suas necessidades quanto à alimentação e produtos de higiene. Percebemos também uma exemplar capacidade de mobilizar o território, mobilizar a comunidade para a arrecadação de alimentos. Isso também pôde ser observado na rede municipal de São Paulo. Foi muito impressionante a operação que a secretaria de educação organizou, imprimindo livros de atividades, fazendo uma gigantesca força tarefa para atualizar o cadastro dos estudantes (que contou até com uma chamada pública) e enviando os materiais para suas casas pelo correio. Para que ninguém ficasse desprovido desse recurso, as escolas fizeram uma checagem minuciosa, entrando em contato com cada família para garantir que todos tivessem recebido os livros. Em certas regiões, foram usados até carros de som para essa espécie de chamada ativa. Segundo Keit, educadora da região de Itaquera, alguns professores tiveram a iniciativa de filmar as salas de aula vazias e enviar os vídeos aos seus alunos, de forma que eles percebessem que não eram os únicos a ficarem em casa, que não estavam sendo excluídos e que deveriam realizar as atividades encaminhadas por meio dos cadernos.

Em segundo lugar, merece ser reconhecido o brilhante trabalho colaborativo promovido pelas equipes. São inúmeros os depoimentos que demonstram a parceria entre os profissionais da rede, buscando se ajudar para que o acompanhamento remoto dos estudantes seja o melhor possível. Assisti a um vídeo da professora Aynda, de Goiás, contando como os professores tutores vêm atuando para apoiar de perto os alunos tutorados, interagindo constantemente com os outros professores quando percebem que alguém não está participando das atividades propostas. Voltando para São Paulo, existe uma constante colaboração entre os professores do Atendimento Educacional Especializado e os demais educadores para enfrentar, juntos, o desafio de planejar atividades e diversificar estratégias para os estudantes com deficiência.

Por fim, como terceiro fator, é notória a aceleração da aprendizagem das equipes das escolas quanto ao uso da tecnologia. Logo no começo do isolamento, eu me lembro de uma coordenadora pedagógica dizendo que esse momento gerou uma grande oportunidade para que os educadores se apropriassem e conhecessem mais a fundo ferramentas que já estavam disponíveis na escola, mas sendo subutilizadas. Por curiosidade, fui consultar uma pesquisa sobre o uso de tecnologia na educação publicada no ano passado pela Cetic (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação) e alguns dados me chamaram a atenção:

  • Somente 14% das escolas públicas urbanas dispunham de plataformas voltadas para o ensino a distância;
  • 24% dos professores ainda não usavam tecnologia como ferramenta de educação;
  • 79% dos professores sentiam dificuldade para usar tecnologia em atividades pedagógicas por falta de curso específico para o uso do computador e internet nas aulas.

Praticamente todos os educadores com quem tenho conversado mencionam o uso extensivo de Facebook, Instagram, Whatsapp e Google Classroom. Tais ferramentas tornaram-se pontes fundamentais para que todos os atores da comunidade escolar pudessem dar continuidade a suas conversas, trocas, seus aprendizados. Tudo indica que as equipes ampliaram significativamente seu conhecimento e sua criatividade no uso desses recursos.

Quero reforçar que seria um equívoco tentar omitir o colossal desafio que temos pela frente, mas acho que é nosso papel saber reconhecer as oportunidades que estão sendo aproveitadas e, acima de tudo, reconhecer o esforço, a determinação e a contagiante resiliência dos nossos professores, gestores e demais profissionais da educação.