O ENEM, o ministro e o descaso com acessibilidade
Mais uma vez o Brasil é exposto a uma controvérsia desnecessária, originada por declaração de membro do primeiro escalão do governo. Isso tem virado uma triste rotina.
Dias atrás, o motivo da inquietação geral foi a confirmação, por parte do Ministro da Educação Abraham Weintraub, da realização do exame do ENEM nas datas previstas inicialmente, 22 e 29 de novembro. Questionado sobre a conveniência dessa agenda, sem ter a certeza de que o país já teria superado a crise motivada pela pandemia, Weintraub alegou que "essa quarentena vai acabar em breve, eu acredito", sem mostrar qualquer fundamento para essa previsão, a não ser as duas últimas palavrinhas: "eu acredito".
Lembrado de que o surto impõe o isolamento às famílias e mantém as escolas fechadas, comprometendo a capacidade de estudo de uma imensa parcela de estudantes que não têm acesso à internet, portanto, ficam impedidos de estudar e acompanhar as aulas remotamente, o ministro soltou a pérola: "O ENEM não foi feito para corrigir injustiças".
Existe um oceano de controvérsias a se descrever sobre tão poucas e desastradas palavras. A mais gritante delas diz respeito à essência do Estado Democrático de Direito e dos braços que lidam com demandas sociais das mais prementes: saúde e educação. Não apenas o ENEM tem entre suas funções corrigir injustiças, como o próprio ministério pelo qual Weintraub responde tem essa função, à frente até das demais. É na educação de qualidade que moram as oportunidades de ascensão social de quem está nos estratos sociais mais vulneráveis. Independentemente das posições ideológicas de quem governa, há algo que é consenso em qualquer democracia: é preciso buscar saídas para mitigar a pobreza, diminuir desigualdades e dar a toda população provimento de suas necessidades básicas. Isso não é de esquerda ou de direita. Isso é atribuição básica do Estado e de seus agentes.
Cabe ressaltar que o ENEM não oferece os recursos de acessibilidade necessários à garantia de participação em condições de igualdade de estudantes com deficiência. Nos últimos dias, o Conselho Nacional de Direitos da Pessoa com Deficiência publicou um manifesto de repúdio à exclusão de tais alunos, materializada com a escolha oficial e consciente do Ministério da Educação ao não ofertar os recursos referidos na versão digital do exame.
Em suma, o fato é que a frase do ministro diz exatamente o oposto do que deveria descrever uma ação da magnitude do ENEM. Ele é um dos principais instrumentos para corrigir injustiças, já que, em tese, tem o papel de democratizar o acesso ao Ensino Superior. Sempre é bom informar o que era previsível: depois do discurso errático, o MEC se rendeu aos fatos e o ENEM foi adiado, para alívio ao menos momentâneo de centenas de milhares de jovens brasileiros.
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