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Primeira Infância

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Haverá espaço para a primeira infância em 2022, ano de eleições?

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Luanda Nera e Carol Guimarães

24/12/2021 06h00

Com as dificuldades dos últimos dois anos, as cidades continuaram protagonistas em agendas e lutas estruturantes, com a própria democracia. Mas em um contexto eleitoral que se aproxima, nos perguntamos sobre o espaço que terá a primeira infância. Esta é uma questão essencial para avançarmos de forma equitativa e efetiva no desenvolvimento humano e direito intergeracional.

O Brasil conta com um sistema federativo que dota de diversas responsabilidades e capacidades a cada um dos entes: federação, estados e municípios. A Constituição de 1988 (conhecida como Constituição Cidadã) garante uma série de direitos políticos, humanos e sociais, como por exemplo o artigo 227, que responsabiliza o Estado e sociedade e assegura às crianças e jovens o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Mas garantir esses direitos na prática se torna um desafio bastante complexo, principalmente ao considerarmos suas dimensões continentais; descontinuidade de agendas (ciclo eleitoral) e heterogeneidade de capacidades técnicas. Alguns sistemas unificados de políticas públicas, como saúde e assistência social, tentam corrigir essas desigualdades regionais a partir de mecanismos de repasses de recursos "fundo a fundo".

São repasses de recursos da União aos fundos estaduais e municipais, exigindo que os demais entes subnacionais cumpram uma série de prerrogativas para acessá-los. Esses modelos têm apresentado importantes resultados e processo de aprendizado às políticas públicas.

Quando falamos em áreas como infraestrutura, saneamento básico e habitação, os desafios se repetem, mas as soluções parecem ainda mais distantes de serem sanadas. O Brasil enfrenta questões que vão do limbo no arcabouço legal em termos de responsabilidades e atribuições aos entes federativos, até a ausência de capacidades estatais para lidar com a questão urbana.

A desigualdade entre as capacidades estatais (recursos financeiros, técnicos, humanos etc.) é evidente quando comparamos as regiões brasileiras. Segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) divulgada pelo IBGE em 2017, cerca de 39,7% dos municípios brasileiros ainda não têm serviço de esgotamento sanitário. Enquanto na região Sudeste, mais de 90% dos municípios possuem esse serviço desde 1989, já na região Norte essa proporção era de apenas 16,2% em 2017.

Integrar os desafios urbanos às especificidades da primeira infância parece ainda mais distante de ser incorporado como uma agenda prioritária, especialmente nos governos estaduais e federal. Apesar de instrumentos legais como o Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016) e a Política Nacional Integrada para a primeira infância preverem a atuação intersetorial e integral, essas atribuições pouco citam áreas de infraestrutura sendo voltadas especialmente para áreas de saúde, educação e assistência social.

É indiscutível a essencialidade dessas áreas na primeira infância, mas para a garantia do desenvolvimento integral das crianças e suas famílias é também necessário garantir infraestrutura básica, como acesso a saneamento básico, habitação de qualidade, mobilidade urbana, dentre outros. Estes direitos atuam conjuntamente à prevenção de uma série de complexidades, refletidas futuramente nas áreas sociais e econômicas.

Garantir que esse conjunto de políticas incorpore a focalização na primeira infância depende, não somente da priorização na agenda pública, da vontade política e das capacidades municipais instauradas em cada região. Depende também do papel de coordenador e indutor da União e governos estaduais para assegurar a articulação entre cidades com desafios comuns, buscando o melhor uso dos recursos públicos e a resolução conjunta de problemas complexos que geralmente extrapolam os limites municipais.

Cabe aos estados o acompanhamento do avanço das agendas prioritárias e da oferta de apoio aos municípios que ficaram para trás. Somente por meio de um modelo de cooperação e colaboração que os problemas complexos podem ser efetivamente enfrentados. 2022 será um ano de eleições nas esferas estadual e federal, e nosso federalismo nos convida a pensar sobre integração e complementaridade de ativos para combater os desafios enfrentados pelas crianças e seus cuidadores.

É difícil falar de certezas após tantos meses de pandemia, mas os aprendizados demonstram a necessidade de coordenação intersetorial e entre entes federativos, com foco no planejamento de longo prazo. O futuro é agora. Assim, sugerimos que nas próximas eleições sejam considerados candidatos/as que busquem visões de longo prazo, soluções complexas aos desafios atuais e saibam ouvir e participar de diversos grupos alvo, inclusive com a primeira infância.

Imediatismo e visões unilaterais não cabem mais para responder os desafios futuros. Não vivemos em ilhas, para criar uma criança precisamos de um coletivo de aldeias com uma boa coordenação entre elas.

Com contribuições de Paloma Lima, graduada em Gestão de Políticas Públicas (EACH/USP) e cursando pós-graduação em Data Science and Analytics (ESALQ/USP). É Assistente de Projetos no Instituto Cidades Sustentáveis, onde apoia no planejamento e desenvolvimento de projetos relacionados a políticas públicas; desigualdades urbanas e mudanças climáticas.