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Primeira Infância

Covid-19 é uma pedra no sapato do desenvolvimento infantil

Menina indo para escola com máscara coronavírus - iStock
Menina indo para escola com máscara coronavírus Imagem: iStock

Luanda Nera e Carol Guimarães

25/12/2020 04h00

Sem bola de cristal, mas com um cenário político sombrio e disputas sobre a vacina do Covid-19 que atrasam o início da vacinação, não apenas o futuro, mas também nosso presente é incerto. Vivemos um momento sem precedentes e com poucos parâmetros para a compreensão de seus futuros impactos sociodemográficos e culturais.

O empobrecimento da saúde mental de muitos é notável, assim como a queda de produtividade no trabalho e a dificuldade de manter a quarentena por tão longos meses. A produção científica feminina sente um movimento de descendência, relembrando mais uma vez a marca de gênero que carrega a economia do cuidado.

Apesar de, felizmente, o vírus não encontrar nas crianças um grupo de risco, eles são um vetor indireto para outros grupos. Várias hipóteses já foram usadas para explicar o baixo risco de agravamento da doença, inclusive padrões imunológicos e genéticos, mas ainda mais preocupante é o papel das crianças como agentes transmissores. Dependendo diretamente de seus cuidadores, especialmente na faixa de 0-6 anos, as crianças não podem estar sozinhas para além das paredes de suas casas, enquanto o risco de contaminação entre seus responsáveis quando circulam pela cidade não pode ser ignorado.

Neste sentido, o impacto da pandemia sobre as crianças é muito mais social, afetando diretamente seu desenvolvimento pedagógico, motor e emocional. A preocupação sobre a privação do contato social é gigante, afinal, escolher entre o risco da contaminação e os impactos do isolamento é uma saia justa para qualquer cuidador.

Estudos destacam a importância da interação social no desenvolvimento do cérebro. Ou seja, a arte de trocar, de dar e receber, apoia diretamente a formação de redes neurais, que influenciam o desenvolvimento da fala e das habilidades cognitivas. A pesquisa do site de maternidade "Trocando Fraldas" aponta que muitas famílias estão adiando o desmame, desfralde e o adeus à chupeta. Além destes processos gerarem uma sobrecarga nos pais, já exaustos com a pandemia, mais uma mudança parece impor um estresse adicional aos pequenos.

O BID realizou pesquisa mais ampla, abordando temas de saúde mental e educação à distância com mais de 62 mil cuidadores, em quatro países da América Latina. Além da já esperada desigualdade nos impactos do ensino à distância, preocupa, no levantamento, o desafio nutricional entre famílias de baixa renda e sua correlação com o desenvolvimento cerebral das crianças, sintomas de insônia, nervosismo e tristeza.

Momentos no parquinho ou no tapetinho do vizinho também trazem benefícios para os pais. Um desafio pandêmico, inicialmente remediado via pequenos grupos de vizinhos e amigos que se apoiam em bolhas de isolamento, ou creches parentais temporárias.

Algumas cidades, entendendo a importância da continuidade de serviços mesmo em tempos sombrios, se adaptaram para amenizar possíveis intermitências. Vale citar o programa "Atenda em Casa", na cidade do Recife, "Salidas Seguras" e "Lima te Cuida", ambos na capital peruana. Muitas outras criaram linhas de atendimento direto à população com informações práticas sobre a Covid-19, mas também programas especializados de apoio à saúde mental. Para além da necessidade social de crianças estarem com outras crianças, pais e cuidadores precisam estar sãos para nutrir boas relações familiares, mesmo em um contexto turbulento e cheio de sobrecargas.

Um estudo de 1974, acompanhando crianças que viveram à Grande Depressão dos Estados Unidos, comprovou que aquelas que se saíram melhor em seu desenvolvimento vinham das famílias que mais rapidamente superaram a queda econômica, apresentando menos sintomas de agressividade e depressão. Mais um exemplo de como a estabilidade dos pais influencia diretamente a capacidade de resposta aos estímulos, aprendizados e desenvolvimento.
Apesar da falta de clareza sobre a duração e profundidade das consequências do nosso atual trauma no futuro das crianças, especialistas acreditam que elas ficarão bem. Especialmente para aquelas entre os 0 e 3 anos, a primeiríssima infância, que tem nos cuidadores diretos suas relações mais fundamentais.

A história nos dirá o impacto da pandemia sobre a primeira infância e sobre toda a humanidade. Quem viver, verá. Difícil sairmos ainda pior como sociedade, mas ainda há dúvidas se a conscientização desse momento de isolamento nos fará apostar em melhores políticas e políticos. Se teve algo que a pandemia nos fez pensar e repensar, é que sozinhos não faremos nada, reconhecendo a importância de serviços e pessoas que pensem nossas crianças como parte de toda uma sociedade.