Topo

Patricia Lobaccaro

Recordes e inovações na filantropia brasileira

Live de Marília Mendonça bate recorde com 3,2 milhões de visualizações simultâneas - Reprodução/Youtube
Live de Marília Mendonça bate recorde com 3,2 milhões de visualizações simultâneas Imagem: Reprodução/Youtube

13/04/2020 04h00

Essa semana, o setor filantrópico brasileiro comemorou um fato histórico: mais de R$ 1 bilhão doado em resposta ao coronavírus, em menos de um mês. Esse é o maior movimento de filantropia da história do Brasil, com esforços de todos os setores da sociedade, incluindo doações de grandes empresas, fundações e população em geral. As doações estão financiando um apoio fundamental ao setor da saúde, incluindo compra de equipamentos e ampliação do número de leitos para hospitais públicos e a distribuição de alimentos e kits de higiene para a população em situação de vulnerabilidade social.

A crise humanitária causada pela pandemia serviu não só para catalisar a arrecadação, vide os valores históricos doados, mas também para impulsionar uma série de avanços e inovações na filantropia, como articulação de redes, prestação de contas em tempo real e maneiras inusitadas de captação de recursos.

A tecnologia e as mídias sociais têm tido um papel fundamental nesse processo. Em tempo real, as ONGs estão mostrando em suas redes sociais a "operação de guerra" que tem sido a logística de distribuição dos alimentos e kits de higiene doados para as comunidades que precisam. Em momento de crise, é necessário ter esse laço de confiança. Segundo Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas (CUFA), mostrar nos canais digitais em tempo real os donativos chegando nas mãos daqueles que precisam "é prestação de contas". E essa transparência em tempo real é fundamental para consolidar a confiança no terceiro setor.

Ainda na questão da logística, a inovação e agilidade do Brasil estão sendo de dar inveja aos gringos. Enquanto nos EUA uma imagem mostrando a fila de carros de quilômetros de distância indo buscar cestas básicas nos bancos de alimentos viralizou, a rede Gerando Falcões inovou criando uma cesta básica digital: um vale alimentação com crédito de 100 reais distribuído para 170 comunidades. Em menos de uma semana e com colaboração de empresas como a Ticket e a Accenture, 30 mil cestas digitais estão sendo entregues em 170 comunidades, com controle de distribuição por um aplicativo. Líderes das comunidades beneficiadas fazem o cadastro das famílias e terão de comprovar que o benefício chegou na mão das pessoas cadastradas. Há ainda uma recarga mensal de 100 reais, que em geral é entregue para a mãe. A cesta digital tem várias vantagens: movimenta a economia local e dá direito de a pessoa escolher o que vai comer. A rede Gerando Falcões está concluindo a entrega dessas cestas digitais e com isso alimentando 150 mil pessoas em 170 favelas em 11 estados.

Na área de captação de recursos, há o fenômeno das lives. Até recentemente, a transmissão ao vivo com mais visualizações tinha sido um show da Beyoncé, em 2018, com 458 mil espectadores simultâneos. Esse número foi ultrapassado várias vezes nos últimos dias por artistas brasileiros. O cantor Gusttavo Lima foi um dos pioneiros em fazer uma transmissão ao vivo arrecadando recursos para combater a crise. Seu show transmitido no dia 28 de março conquistou mais de 10 milhões de visualizações e arrecadou mais de R$ 100 mil e toneladas de donativos. No dia 4 de abril, a live da dupla Jorge e Mateus quebrou o recorde de uma transmissão na internet com mais de 3 milhões de espectadores assistindo simultaneamente e arrecadando 216 toneladas de alimentos. No dia 8 de abril, Marília Mendonça bateu o recorde novamente, engajando 3,2 milhões de espectadores, enquanto captava recursos para a Mesa Brasil, do Serviço Social do Comércio (Sesc). Ao todo foram arrecadados R$ 400 mil, 200 toneladas de alimentos e 500 quilos de álcool gel. O Brasil se tornou oficialmente recordista mundial de lives, e esse novo formato de arrecadação de recursos continua com várias transmissões agendadas, como a live de Luan Santana, dia 26 de abril, em prol da UNICEF e da CUFA.

Um país ágil digitalmente, com 215 milhões de telefones celulares, um número maior do que o de habitantes, além de mais de 140 milhões de usuários de redes sociais, o Brasil representa o segundo maior mercado do Youtube e é o terceiro mais ativo no Facebook. A campanha #foracoronavirus protagonizada por alunos de escolas públicas já tem mais de 13 milhões de visualizações no TikTok, um exemplo do poder da tecnologia em campanhas de conscientização.

Se a pandemia por um lado evidenciou as desigualdades sociais do Brasil e a falta de infraestrutura básica, por outro vem demonstrando que o Brasil é um país ágil, inovador e solidário quando a sociedade se une para encontrar soluções.