Proteção ambiental é 'pulo do gato' legal e econômico que o Brasil precisa
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"Apoio uma legislação que possa verdadeiramente destravar o desenvolvimento do país", disse o presidente da Senado Federal, Davi Alcolumbre, sobre a aprovação, em maio, do projeto de lei que institui a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Ao fazer a declaração, o senador apontou o rigor na proteção à natureza como empecilho para um melhor desempenho econômico. Nada mais distante da realidade.
Um conjunto mais avançado e menos burocrático de leis é o desejo tanto de ambientalistas quanto de setores do agronegócio no país. Porém, responsabilizar exigências ambientais por entraves na geração de riquezas é uma visão simplista que pode agravar a devastação ambiental ao ignorar pesquisas de ponta desenvolvidas por cientistas brasileiros que inspiram soluções globais.
Esses estudos mostram que, ao aproveitar os conhecimentos científicos, as chamadas nações em desenvolvimento, como o Brasil, podem crescer sem destruir a natureza, ao contrário do que aconteceu com os países desenvolvidos, que sacrificaram a maior parte de seus recursos naturais em seu processo de modernização, acelerando a crise climática planetária.
Ainda na década de 1970, aqui mesmo na Universidade de Princeton, o físico brasileiro José Goldemberg chamou de "pulo do gato" ("leapfrogging", em inglês) a capacidade do Brasil de criar inovações tecnológicas de grande escala que evitam trajetórias prejudiciais ao meio ambiente ao mesmo tempo em que atendem a necessidades práticas, como é o caso da descoberta do uso de etanol, uma fonte renovável de energia, em substituição à gasolina derivada de combustíveis fósseis.
Considerando isso, desde 2019 o Brazil LAB realiza, a cada três anos, no campus da universidade, o evento Amazonian Leapfrogging, que reúne lideranças da ciência, da política, da economia, da sociedade civil e da mídia do Brasil e de outros países para discutir soluções viáveis para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, região que abriga metade das florestas tropicais, a maior bacia hidrográfica, e uma das maiores concentrações de biodiversidade do planeta.
No mais recente Amazonian Leapfrogging, no início de maio, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, ao proferir a principal palestra do evento, apontou a adoção de decisões desprovidas de respaldo científico, ancoradas a interesses imediatos, como um dos principais empecilhos para a articulação de políticas públicas que garantam o direito constitucional a um meio ambiente equilibrado.
"Ainda vemos, por parte de governos, uma total ignorância em relação ao problema, uma negação completa do que realmente está acontecendo. É que a política é movida por motivações de curto prazo. Com frequência, governos não têm os incentivos adequados para tomar as decisões que precisam ser tomadas", disse.
Ao pensarmos uma nova legislação ambiental, é preciso ter em mente a ciência de ponta que mostra que conservação e desenvolvimento socioeconômico devem andar de mãos dadas. Um dos estudos recentes de maior impacto, por exemplo, foi liderado pelos cientistas Marina Hirota e Caio Mattos, com apoio do Instituto Serrapilheira, e mostrou que as Terras Indígenas da Amazônia são indispensáveis para mais de 80% da agropecuária brasileira. Proteger esses territórios, que ajudam a manter os "rios voadores" - que se transformam em chuvas em outras regiões - é garantir a sustentabilidade da economia agrária, com um custo muito menor para o Estado do que outras formas de conservação.
Para o ecólogo da Universidade de Princeton Jonathan Levine, que estuda a relação entre estratégias de restauração e biodiversidade, a mensagem é clara: embora os avanços tecnológicos na mitigação das mudanças climáticas sejam essenciais, compreender e preservar os ecossistemas locais continua sendo fundamental para projetos de grande escala que garantam a biodiversidade.
Aprovado no Senado, o Projeto de Lei 2159/2021 será em breve analisado pela Câmara. Às vésperas da COP30, no qual o Brasil ajudará a configurar a pauta climática planetária, é fundamental que as discussões sejam informadas pela ciência ocidental e pelos saberes indígenas milenares. Esperamos que, pelas mãos dos deputados, o PL da Devastação se transforme no PL da Restauração.
*João Biehl é chefe do Departamento de Antropologia e diretor do Brazil LAB na Universidade de Princeton (EUA). Rodrigo Simon de Moraes é doutor pela Unicamp e pesquisador do Brazil LAB/Instituto Ambiental High Meadows na Universidade de Princeton (EUA).
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