Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Primeira infância: Investimento traz retornos para economia, diz Nobel
Quem já conviveu com bebês sabe como as mudanças ocorrem de uma hora para a outra - sem exagero. O bebê, que antes parecia ter um olhar alheio ao mundo exterior, de repente, começa a encarar quem se aproxima, examina meticulosamente a própria mão e reage, com curiosidade ou sorrisos, a qualquer novo estímulo.
Depois, passa a balbuciar palavras, comer sozinho e, num piscar de olhos, está andando e correndo por aí, como um sujeito cheio de personalidade, vontades e desejos.
A fase que vai do nascimento até os seis anos de idade tem um nome: primeira infância. Em nenhum outro período o cérebro se desenvolverá de forma tão potente e construirá alicerces tão firmes quanto nesses primeiros anos. Mas isso tudo não se dá de forma automática.
Cuidado, afeto e estímulos adequados são imprescindíveis para que a criança se desenvolva em sua máxima potência. Negligência, violência e adversidade fazem o contrário e geram danos para o desenvolvimento infantil.
Infelizmente, a realidade no Brasil é que não estamos fazendo o básico do nosso dever de casa: garantir a todas as crianças, principalmente aquelas em situação de vulnerabilidade, as condições necessárias para que cresçam fortes, saudáveis, confiantes e com acesso a oportunidades.
Os dados mostram isso. Mais de um terço das crianças na primeira infância vivem em situação de pobreza.
Além de todas as limitações inerentes à vulnerabilidade, há ainda uma série de consequências que vão desde mortalidade infantil, desnutrição crônica e atraso no desenvolvimento físico e intelectual. A ameaça às crianças pequenas é um dos problemas mais sérios que o país enfrenta. Ele vitimiza o presente e ameaça o futuro não somente dela, mas de toda a sociedade.
Por essa razão, o país elegeu agosto como o Mês da Primeira Infância, a ser celebrado a partir deste ano. Juntamente à criação da efeméride, tivemos o anúncio do orçamento de R$ 27 bilhões neste ano para a área, com alta de 38,3% em relação a 2022.
Desse total, 54% serão usados pelo Ministério do Desenvolvimento Social, com destaque para o Bolsa Família no recorte que obedece aos parâmetros de adicional para famílias com crianças na primeira infância.
O que está por trás dessa agenda é a urgência de proteger essas crianças e prover o ambiente necessário para que elas alcancem seu potencial pleno. Uma longa caminhada formou-se até que a causa da primeira infância conquistasse este marco de mobilização nacional e um orçamento próprio.
Foram necessárias mais de cinco décadas de estudos nacionais e internacionais que comprovam os impactos dos cuidados com a primeira infância no desenvolvimento das crianças e os efeitos positivos que se somam e estendem até a próxima geração de cada um deles.
A explicação econômica mais eficiente do efeito cumulativo que ocorre na primeira infância vem de outro marco da causa.
Na virada do milênio, o economista James Heckman levou o prêmio Nobel por ter demonstrado que a cada 1 dólar investido até os seis anos de idade há um retorno de 7 dólares.
Esse ganho ocorre por conta da mudança de trajetória que as crianças bem cuidadas quando pequenas percorrem: tendem a frequentar a escola por mais anos; a ter uma formação profissional e ganhar melhor; a fazer opções de alimentação e de hábitos para uma vida mais saudável e com vínculos sociais mais estáveis.
Na prática, se bem aplicarmos o maior volume de recursos que o país alocou este ano para a primeira infância, os retornos serão sistêmicos e positivos para o país.
Mas esse não é ou deve ser um investimento pontual, ele precisa ser sistemático, crescente e de longo prazo. Em ano de construção do próximo Plano Plurianual (PPA), precisamos reiterar a coerência de uma nação que prioriza as suas crianças no mês de agosto, mas também na alocação orçamentária e na boa implementação de políticas que alcancem as crianças e suas famílias.
A cada novo levantamento do IBGE temos a confirmação de que o público da desigualdade continua o mesmo. São crianças pretas, em sua maioria, filhas de mãe solo de todas as raças, cuja família inteira é cliente da fome, são também as que nasceram com alguma condição adversa e não recebem o apoio às suas necessidades.
Por isso, a conta do Nobel em economia chega à causa raiz do enfrentamento das desigualdades. Investir na primeira infância é a decisão mais efetiva para diminuir as distâncias sociais e econômicas - na infância e na vida adulta - e, assim, quebrar o ciclo intergeracional de pobreza que aflige a um terço da primeira infância brasileira.
Há muito a ser feito. Mas não podemos deixar de reconhecer e comemorar nossas conquistas pelo caminho.
Com o aumento do investimento e a decisão de dedicar um mês a ações voltadas à primeira infância, o país acaba de dar passos importantes.
*Mariana Luz é CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Young Global Leader do Fórum Econômico Mundial e Presidente do Conselho do Instituto Escolhas.
Um fazendeiro excêntrico cria um safári africano, uma cidade famosa por seus caixões? Em "OESTE", nova série em vídeos do UOL, você descobre estas e outras histórias inacreditáveis que transformam o centro-oeste brasileiro. Assista:
*
Siga Ecoa nas redes sociais e conheça mais histórias que inspiram e transformam o mundo:
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.