Topo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Brasil precisa se comprometer com representatividade no campo profissional

iStockphoto
Imagem: iStockphoto

Jaqueline Fraga*

Colunista do UOL

22/01/2023 06h00

Sempre que analisamos as estatísticas confirmamos o que já conseguimos perceber diariamente "a olho nu"; A população negra está à margem da sociedade, tendo os menores níveis de escolaridade e os menores salários profissionais, sendo a maioria em profissões que demandam mais capacidade física e minoria em profissões consideradas de prestígio e valorizadas social e financeiramente.

Quantos médicos, engenheiros, juízes, e por aí vai, negros, você conhece? E se fizermos também o recorte de gênero? Quantas médicas, engenheiras, juízas, e por aí vai, negras, você conhece?

Uma pesquisa realizada pelo Insper em 2020 mostra que um homem branco tem um salário em média 159% acima ao do recebido por uma mulher negra no país. Os detalhes, aliás, podem ser vistos nesta notícia publicada aqui mesmo aqui no UOL. Ou seja, a mulher negra permanece sendo a maioria na base da pirâmide social brasileira.

Em 2021, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontaram que somente menos de 3% dos trabalhadores negros ocupam cargos de gerência ou diretoria. Resultado que demonstra como ainda precisamos avançar para termos um ambiente profissional com representatividade real, especialmente em cargos de liderança e espaços de poder.

Mas como detalhei em dois dos meus livros, é importante que, além de lutarmos por uma maior representatividade nos mais diferentes ambientes, também não caiamos na narrativa de sempre associar pessoas negras ao universo da dor, do racismo e da subalternidade.

Como já disse outras vezes, nós precisamos mostrar as histórias de sucesso de pessoas negras, em especial de mulheres negras, para que percebamos, cada vez mais, que estes espaços também são nossos.

Foi com esse objetivo que nasceu meu primeiro livro, chamado "Negra Sou: a ascensão da mulher negra no mercado de trabalho". Nele, conto as histórias e sonhos e carreiras de mulheres negras que estão movendo o país. São profissionais das áreas de Direito, Engenharia, Medicina, Militar e Odontologia.

Lançado originalmente de forma independente em 2019, durante a Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, a obra obteve reconhecimentos que corroboram a necessidade e a importância de debatermos o tema. Foi finalista do Prêmio Jabuti em 2020, na categoria Documentário, Biografia e Reportagem. Inclusive, fui a única mulher e a única autora independente entre os finalistas da categoria.

O livro também conquistou a menção honrosa do Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo e do Prêmio Maria Firmina de Literatura. Além disso, a série de reportagens que originou a obra conquistou, ainda, o Prêmio Antonieta de Barros Jovens Comunicadores Negros e Negras.

Uma coisa que se tornou totalmente perceptível enquanto eu produzia a obra, e que reflete a realidade brasileira, é que todas as mulheres entrevistadas e retratadas no livro têm em comum, além da cor da pele, o fato de serem a única ou uma das poucas mulheres negras em suas respectivas ocupações.

E daí surge o questionamento: o que precisamos fazer para que essas histórias deixem de ser exceção e passem a se tornar comuns? O que precisamos fazer para que mais mulheres negras ocupem os mais diferentes espaços profissionais?

É preciso que haja compromisso. Compromisso dos entes públicos com políticas afirmativas. Compromisso do mercado privado com a equidade, a diversidade e a inclusão.

Precisamos de políticas públicas que funcionem e, mais, precisamos que não haja desmonte das políticas que já estão em vigor. Governo e mercado precisam se comprometer com a representatividade no ambiente profissional. É preciso que sejam implementadas ações práticas, que busquem tornar o ambiente organizacional mais equânime desde a ponta até as gerências e diretorias.

Quando falamos em combate prático ao racismo é natural vir na nossa mente a famosa frase de Angela Davis: "Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista". É exatamente isso. E aqui eu abro parênteses para exemplificar como as empresas podem ser antirracistas em seu dia a dia.

Enquanto eu organizava a realização do primeiro Festival Pernambucano de Literatura Negra, que ocorreu no Recife no último dia 20 de novembro, entrei em contato com instituições que poderiam apoiar a realização do evento. De todas as organizações com quem falei, apenas um escritório de advocacia contribuiu com o festival. Foi uma organização que saiu do universo do discurso e partiu para o universo da prática. Escritório esse que possui políticas de inclusão em seu ambiente de trabalho, buscando a contratação de advogadas e advogados negras e negros.

E aqui eu volto ao que falei mais acima: É preciso que haja compromisso. Compromisso dos entes públicos com políticas afirmativas. Compromisso do mercado privado com a equidade, a diversidade e a inclusão. Governo e mercado precisam se comprometer com a representatividade no ambiente profissional.

Durante o festival lancei meu terceiro livro: Movendo as Estruturas. Uma obra que reúne artigos que falam sobre o combate ao racismo, sobre a busca por uma representatividade real, sobre a importância da garantia de direitos. Textos que falam sobre as vivências de grande parte da população negra brasileira, em especial das mulheres negras brasileiras.

Deixo aqui um trecho da apresentação da obra:

Como bem nos ensinou Angela Davis: "Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela". Essa é uma frase que virou símbolo, virou ação, e que inspirou o nome deste meu novo livro, Movendo as Estruturas.

(..)
Você verá essa frase algumas vezes ao longo da leitura desta obra, assim como também verá a frase "Para a mulher negra, escrever é um ato político", de autoria de Conceição Evaristo.

A escrita e a literatura são minhas formas de movimentar a sociedade e fazer política. Este livro também nasce com esse propósito.
Podem ter certeza de que este espaço no ECOA também converge nessa direção: é um ato político e movimentador das estruturas.

*Jaqueline Fraga é jornalista formada pela UFPE, escritora e administradora. É autora do livro-reportagem "Negra Sou: a ascensão da mulher negra no mercado de trabalho", obra finalista do Prêmio Jabuti, e do livro "Movendo as Estruturas. Foi consultora da Unesco e atualmente é repórter do jornal Folha de Pernambuco. Pode ser encontrada nas redes sociais nos perfis @jaquefraga_ e @livronegrasou.