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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Trabalhamos para incluir o Direito de Sonhar na Constituição Brasileira

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Imagem: iStock
Myrian Castello

03/07/2022 06h00

Eu lembro do dia em que fiz algo que raramente faço: ir à manicure. Conversa vai, conversa vem, perguntei para Daiane, quem me atendeu, qual era o seu sonho. Respondeu que não tinha nenhum. Aquilo me deixou pensativa sobre como está a nossa sociedade. Onde foi parar a vontade de Daiane de viajar, de fazer algo pela primeira vez? De aprender alguma coisa realmente nova? Tentei respostas dela perguntando com outras palavras, e nada.

Depois de muito conversar, juntas, chegamos à conclusão que sonhar era algo que havia sido tirado dela. Que cultivava, sim, vontade de viajar, e outros sonhos, mas tinha levado tantos nãos da vida que, uma hora, deixou de pensar sobre isso. Infelizmente essa é a realidade de muitas pessoas.

Quantos de nós já ouviu de amigos e familiares que tal coisa não seria possível? Quantas pessoas, ao falarmos a palavra sonhar, disseram ser utópico demais, que é fora da realidade, uma ilusão? Quantos de nós nascemos nas periferias ou em cidades pequenas e achamos que não poderíamos fazer algo. Ou ocupar alguns lugares ou posições?

Tudo isso são só mais provas do trabalho que temos pela frente. O Sonhar foi tirado de tantas pessoas que algumas até se acostumaram com a falta disso, no dia a dia. É a nossa função como sociedade relembrar e garantir que todas e todos tenham direito ao sonho. E isso passa por trabalhar pelo essencial da vida. Lembrei do que li em uma publicação, hoje mais cedo: "É difícil ser good vibes quando você não tem acesso ao básico para viver". Talvez tenha acontecido com você.

Sonhos são sementes. E sementes precisam de solo fértil para se desenvolver e florescer. E para sonhar é preciso condições básicas para existir de verdade. Se uma brasileira ou um brasileiro não sabe se vai comer hoje, ou se preocupa com isso, como poderá sonhar? Para sonhar é preciso existir. E para existir de verdade precisamos ter garantia das necessidades básicas: comer, ter uma boa saúde, qualidade de vida, poder estudar. Acesso igual às oportunidades. Sonhar não deveria ser um privilégio.

Em 2013 trouxemos ao mundo a Fábrica dos Sonhos, uma organização de pessoas interessadas e comprometidas em garantir que sonhar seja reconhecido como um direito humano. Trabalhamos para que ele seja o 18° Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e, no futuro, esteja dentro da Constituição brasileira e dos Direitos Humanos como direito fundamental. Criamos um projeto de lei para isso, também a Semana Internacional Direito de Sonhar, que acontece anualmente. Fazemos atividades no Brasil e no mundo.

Trabalhando com escolas, percebemos a necessidade de expandir o mundo e as possibilidades de jovens, mulheres, educadores e comunidades. Em 2021 atuamos com jovens em algumas escolas de cidades pequenas, por exemplo, com potencial para evasão escolar. Com os nossos projetos, especialmente trazendo o sonho para dentro das conversas, aumentou em 90% a presença nas turmas. Sonhar é uma questão pública.

Quando Daiane percebeu que tinha sonhos, algo mudou. Dentro dela, em mim e na nossa relação. Com os jovens e mulheres com quem trabalhamos acontece a mesma coisa. Fiquei pensando em quantas pessoas, assim como ela, deixaram de pensar que podiam ter tempo para sonhar ou que tiveram isso tirado de suas mãos.

Você também pode ser um agente de transformação em sua casa, no seu trabalho. Perguntando a pessoas próximas a você quais sonhos e projetos ela tem e quais os caminhos para apoiar. Sonhar é poder imaginar e desenhar futuros possíveis e impossíveis. É pautar a realidade, algo concreto. E é um direito que deveria ser assegurado a todas as pessoas. Trabalhemos para isso.