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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Onde estão os artistas trans na Virada Cultural de SP?

Praça da Sé lotada na Virada Cultural em 2019 - Marcelo Justo/UOL
Praça da Sé lotada na Virada Cultural em 2019 Imagem: Marcelo Justo/UOL

28/05/2022 06h00

A Virada Cultural é um momento de extravasar e aproveitar o que nossa vida cultural tem a oferecer para a população de São Paulo. Não apenas da capital, mas dos arredores e até vinda de outros estados do país. Essa data movimenta as pessoas, mas também movimenta o comércio, o turismo e outras áreas da economia, principalmente o segmento artístico.

O evento que inspirou a nossa Virada nasceu em 2002, em Paris, na França, com o Festival Nuit Blanche (Noite Branca). Com o propósito de levar a população parisiense para o centro histórico durante 24 horas ininterruptas de vivências culturais, shows, performances e mostras, acabou sendo copiado em várias partes do mundo, desembarcando na capital paulista nos governos Serra/Kassab, em 2005.

Nossos governantes perceberam a oportunidade de repetir o sucesso por aqui, promovendo a ocupação do centro histórico ao mesmo tempo em que fortalecia setores, segmentos e toda uma classe da produção artística que luta para se manter viva. Deu certo. Nossa classe artística cresceu muito ao longo dos anos, e os poucos equipamentos culturais disponíveis já não dão conta de tantas possibilidades. Neste contexto, trazer uma Virada para a cidade é extremamente importante.

Mas uma vez por ano ainda é bem pouco, pelo tamanho de São Paulo e pelo número de artistas. Ainda mais em tempos de pandemia, em que muitos deles se viram sem oportunidades de trabalho e renda. Nesse sentido, necessitamos de mais aporte, de mais investimento na área cultural. Mas também precisamos de investimento em equipe, de maneira que ela seja preparada, diversa e que respeite a diversidade.

Atualmente, com uma equipe reduzida e sobrecarregada, o poder público tenta criar e executar programas e ações para levar arte, entretenimento, formação cultural, shows e muito mais para toda essa população: de idades, gêneros e orientações sexuais variadas. Ou seja, não temos o suficiente e o que temos é bem concorrido. Soma-se a isso esse momento histórico em que vivemos, exclusivamente voltado para "quanto mais like melhor", o que acaba por ser excludente e perverso, privilegiando quem engaja mais nas redes sociais e excluindo artistas em suas respectivas competências das apresentações.

Hoje, não existe um pensamento de criar oportunidades para todas, todes e todos nessa cadeia produtiva cultural para que nosso segmento trabalhe o ano inteiro com dignidade. De uma maneira em que todas, todes e todos tenham um espaço garantido, com oportunidades contínuas.

Eu, por exemplo, já fui prestigiar inúmeros(as) artistas na Virada Cultural e estive pacientemente esperando um momento para apresentar meu trabalho como artista que vive nessa cidade há mais de 45 anos. Assim que saiu o edital, me inscrevi, mas a burocracia não ajuda muito. E o que vejo, enquanto Homem Trans, é que não temos espaço para trabalho nesse evento. Não temos.

Nós estamos aqui, existimos para trabalhar na parte de manutenção de palco, como produção, luz, som, mas também somos artistas LGBTQIA+ que têm uma história. Somos cantores, atores, diretores, circenses, escritores, performers e muito mais. E onde estamos? Em lugar nenhum. Homens e mulheres trans, travestis e transvestigêneres praticamente não estão nessa programação.

Precisamos de representatividade, sim. Precisamos trabalhar, sim. Precisamos pagar as contas. Mas sem oportunidade, sem sermos chamados para fazer o que sabemos, que é estar no palco aguardando a alma de Molière dar seus toques para brilhar nos holofotes, apenas definhamos invisíveis e com contas a pagar.