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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com 6 mil metros, nossa horta comunitária produz uma tonelada por mês

Maria de Lourdes Andrade Silva, 57, líder comunitária e coordenadora do Instituto Lia Esperança - Keiny Andrade/UOL
Maria de Lourdes Andrade Silva, 57, líder comunitária e coordenadora do Instituto Lia Esperança Imagem: Keiny Andrade/UOL

20/04/2022 06h00

Meu contato com o tema sustentabilidade se deu quase sem querer. Recém chegada à comunidade Vila Nova Esperança, zona oeste de São Paulo; casa nova, a vida parecia que ia, mas parou. Ordem de despejo. Eu e centenas de outras famílias teríamos que sair de cima daquela área originalmente de mata - proteção para os mananciais. A causa era nobre. Mas ir? Para onde? Desespero.

Rapidamente, eu entendi a relevância do tema, mas morar era preciso. Lutar também. Como permanecer sem destruir? Era 2011. Longe ainda das teorias, eu e um grupo de moradores da comunidade decidimos criar um tipo de política de redução de danos: cuidar da área. Negociamos um prazo com as autoridades e começamos pelo lixo. Fundamos uma associação, ajeitamos barracões para receber o material reciclável. O lixo orgânico virou adubo e o local que costumava receber todo tipo de entulho deu lugar a uma horta comunitária, que se transformou num símbolo de todo esse trabalho. A batizamos de Horta Popular Criando Esperança.

A horta tem hoje 6 mil metros quadrados e chega a produzir uma tonelada de legumes, frutas e hortaliças por mês. Ela ajudou a trazer algum tipo de consciência ambiental para os moradores, serviu de inspiração para muita gente ajeitar seu vasinho ou canteiro em casa. Houve todo um trabalho para proteger a mata remanescente e aumentar as áreas verdes. Muita gente foi chegando e contribuindo para esse processo: ONGs, universidades, associações. Em momentos de crise e insegurança alimentar, como no auge da pandemia, a horta se mostrou ferramenta importante para levar comida para o prato das pessoas.

O modelo criado na Vila Nova Esperança passou a ser replicado em diversas outras comunidades de São Paulo. Eu mesma dei palestras, entrevistas, cursos. Conquistamos, a duras penas, um prazo para ficar.

Essa é a parte linda da história, que muito nos orgulha. Mas hoje quero falar também da batalha que se trava todos os dias para manter esse trabalho diante das inúmeras carências da nossa população. Sem dinheiro para o gás, moradores recorrem à lenha. O voluntariado míngua quando a luta pela sobrevivência aumenta. A educação precária, a falta de oportunidades de emprego, renda e lazer parece que vão minando o sonho de fazer acontecer. Como se lá no fundo uma voz ecoasse: que mané árvore, eu preciso viver.

Não estou falando aqui do desmatamento ilegal da Mata Atlântica para construção de todas aquelas mansões no litoral norte paulista, e nem das grandes áreas amazônicas devastadas para implantação de áreas de garimpo, pasto ou lavoura. Eu falo aqui de ter um lugar digno para viver e comida na mesa. Do carvoeiro miserável que - sob pena de acabar com seus pulmões - se arrisca em fornos ilegais para queimar a árvore da Caatinga e vender a preço de banana. E, às vezes, nem isso.

Não sejamos ingênuos, o simples fato de existir causa impacto na natureza. Mas hoje, sabemos, é possível viver e, ainda assim, reduzir em muito os danos causados ao meio ambiente. Aliás, dessa consciência depende nossa sobrevivência e a das futuras gerações.

Acontece, meus amigos, que depois de todos esses anos, eu não acredito mais que isso seja possível sem políticas públicas consistentes que levem em consideração as condições de educação e vida da nossa população. Parece óbvio, mas não é: o ser humano, apesar de seu algoz, também é parte da natureza.