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OPINIÃO

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Moeda social: O que mudaria se cada município criasse a sua

As moedas sociais são usadas desde 1998 no Brasil - Divulgação
As moedas sociais são usadas desde 1998 no Brasil Imagem: Divulgação
Joaquim Melo

13/03/2022 06h00

Moedas sociais se caracterizam por fazer o dinheiro circular apenas em um determinado território, oxigenando as economias daquele lugar, na medida que os consumidores são condicionados a comprarem em seu município. Quanto mais se compra localmente, mais se fortalece o comércio e crescem as cadeias produtivas. Esse é um fator decisivo para o aumento das arrecadações municipais e para geração de empregos.

Quem opera moedas sociais são os bancos comunitários. Eles são serviços financeiros solidários, geridos por organizações da sociedade civil (OSC), com o objetivo de gerar trabalho e renda na perspectiva de reorganização das economias locais. Sua principal estratégia é a criação de uma poupança local, que nasce na retenção do dinheiro no próprio bairro ou município.

Os bancos comunitários oferecem vários serviços financeiros e bancários sem taxas. Ou bem abaixo das praticadas no mercado, como: crédito habitacional e produtivo, abertura de contas digitais pré-pagas gratuitas, pagamento de benefícios sociais, recebimento de contas, transferências e outros serviços financeiros. O banco e a moeda social Palmas foram os pioneiros no Brasil, em 1998. Estão localizados no Conjunto Palmeira, periferia de Fortaleza, no Ceará.

De 2005 a 2014 a então Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (Senaes/MTE) incorporou os bancos comunitários e as moedas sociais à política pública nacional de Economia Solidária, lançando vários editais para fomento a finanças solidárias. Incluso aí bancos comunitários e moedas sociais.

Foi neste período e com apoio do governo federal que o modelo se expandiu, contribuindo para a formação da Rede Brasileira de Bancos Comunitários (RBBC), que conta hoje com 150 associados, em 20 estados. São 200 mil contas abertas e mais de 18 mil comércios credenciados e aceitando diversas moedas.

A partir de 2010, o Banco Central do Brasil (BACEN) elaborou notas técnicas e pareceres jurídicos sobre as moedas sociais circulantes no Brasil, reconhecendo a sua importância para o desenvolvimento de comunidades de baixa renda, ao mesmo tempo em que ratificou suas características:

  1. É lastreada e paritária ao real (1 moeda social corresponde a R$ 1)
  2. Permite o câmbio. O comerciante que recebe moeda social pode trocá-la por reais, quando desejar.
  3. Tem circulação restrita a um determinado território: distrito, bairro ou município.
  4. A riqueza gerada por sua circulação é reinvestida no território sem acumulação privada.

A transformação digital

A partir de 2016, essas moedas se digitalizaram e passaram a circular através da plataforma digital E-dinheiro Social, do Instituto E-dinheiro Brasil, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) que representa a rede de bancos comunitários. As compras em moeda social podem ser feitas através de aplicativo ou cartão digital.

Só no ano passado tivemos R$ 415 milhões de depósitos em moedas sociais na plataforma E-dinheiro, com aproximadamente R$ 262 milhões em compras nos mais diversos municípios. A maioria dessas transações aconteceu em pequenos comércios de bairro.

Para cada compra em moeda social é cobrada do comerciante uma taxa administrativa de 2% que é direcionada para o banco comunitário local formar um fundo de crédito produtivo a juros zero ou bem abaixo dos praticados no mercado. Dessa forma toda riqueza gerada pela circulação da moeda é reinvestida coletivamente no desenvolvimento local e não acumulada privativamente.

Com o decorrer dos anos, a partir das taxas arrecadadas, a carteira de crédito dos bancos comunitários vai ganhando liquidez o que permite empréstimos de pequeno e médio porte, como nos casos do Banco Palmas em Fortaleza, e do Banco Mumbuca Maricá, no Rio de Janeiro, onde já são feitos empréstimos de até R$ 20 mil. A juros zero ou perto disso.

Em 2020 , durante a pandemia do novo coronavírus, os bancos comunitários distribuíram mais de 300 milhões de doações em várias comunidades de baixa renda do Brasil. Os moradores recebiam a doação em suas contas digitais e compravam nos comércios de seus bairros, salvando vidas e a economia dos pequenos, tudo ao mesmo tempo.

Moedas sociais virando política pública

Esse modelo chamou a atenção de alguns municípios que passaram a adotar as moedas sociais como política pública. Por meio de leis, os gestores públicos criam uma no município e passam a pagar benefícios sociais como renda básica, auxílio emergencial e alimentação, aluguel social e outros. Tudo em moeda social, que faz as compras acontecerem no território. O dinheiro circula no município criando um ambiente de negócios favorável à geração de trabalho, emprego e renda.

Hoje em dia, quatro municípios brasileiros criaram sua própria moeda e pagam suas contas nesse modelo de "dinheiro" local. Já são mais de 100 mil pessoas envolvidas, movimentando aproximadamente R$ 50 milhões por mês de pagamentos feitos nesse modelo de moeda.

A Rede Brasileira de Bancos Comunitários tem assessorado os municípios na elaboração de leis para criação de suas moedas. Acreditamos muito que essa tecnologia, bancos e e moedas sociais, é uma excelente ferramenta para a retomada da economia dos municípios neste "pós" pandemia.

O governo federal poderia municipalizar o pagamento dos seus programas, como o Auxílio Brasil, estimulando que as cidades criem bancos e moedas sociais próprias. Isso facilitaria a vida dos beneficiários reduzindo filas nas agências e na ausência destas, longos traslados para municípios vizinhos. Oxigenaria as economias locais, aumentava a arrecadação e geraria de empregos principalmente nos pequenos municípios.