Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A roupa que você escolhe também transforma a sociedade
Todos os dias nos alimentamos, vestimos, dormimos. A roupa que usamos nos protege e também comunica quem somos, a quais grupos pertencemos, o que valorizamos. E você já parou para pensar de onde suas roupas vieram??De quais materiais elas foram feitas? Como e por quem foram produzidas?
O homem vem trançando fios e linhas há milhares de anos, de modo manual ou mecanizado. Os primeiros tecidos foram feitos a partir de um tear manual, trançando fios no sentido transversal uns aos outros. Até o século 18, os tecidos eram produzidos manualmente ou em máquinas simples. Com o passar do tempo, esse processo foi sendo mecanizado, abrindo espaço para as grandes tecelagens.
Assim como os tecidos, várias técnicas e produtos passaram a ser produzidos em larga escala de modo industrial. Os saberes manuais e tradicionais foram adaptados, transformados ou até extinguidos através da mecanização dos seus processos. De um lado, a industrialização trouxe mais agilidade, alcance e qualidade de vida; do outro, promoveu o enfraquecimento de manifestações culturais e a lógica do tempo curto.
A manualidade no design de moda é ainda presente em diversas técnicas que foram resistindo à ação da industrialização. São bordados, crochês, tricôs, rendas, trançados, carimbos e tantas outras, que a partir de mãos de homens e mulheres contam histórias sobre suas raízes e ancestralidade. Técnicas manuais em um mundo industrial e cada vez mais digital, são expressões de resistência de populações que lutam para manter vivo o ofício e a fonte de renda de gerações.
Já ouviu falar da renda de bilro? É uma técnica tradicional usada no vestuário e na decoração. Uma flor em renda de bilro pode levar em torno de 6 horas para ser feita. Já para uma flor de renda, a máquina deve levar alguns poucos minutos.
Quando máquinas fazem em pouco tempo o que uma pessoa levaria horas para fazer manualmente e com preços possivelmente mais baixos, vemos a nossa estrutura capitalista falar mais alto, impondo meios de gerar produtividade e custos baixos em técnicas tradicionais.
Ver uma peça de roupa barata mostra que alguém está pagando esse preço. Demonstra a precariedade das relações de poder na moda, em que os mais frágeis são excluídos e substituídos pelas máquinas, ao invés de serem potencializados por elas.
A mecanização deveria estar a favor do trabalhador, do artesão, do agricultor, potencializando os processos produtivos para que sejam mais saudáveis para quem está na ponta. Mas, na prática, a mecanização só otimiza tempo, custos e lucro para as grandes empresas. Uma moda rápida e barata é o reflexo disso e estimula cotidianamente a extinção desses grupos e dos saberes ancestrais que eles carregam.
Além disso, num mundo globalizado, é comum que a nossa cultura esteja em risco diante de manifestações artísticas e culturais de lugares hegemônicos, que se esforçam em enfraquecer a identidade regional de cada lugar.
Assim, temos um desafio coletivo para manter vivas nossas manifestações culturais tradicionais, exigindo esforços de todos os lados da cadeia de produção.
Para os designers: é necessário que conheçam as técnicas tradicionais e manuais, e que as fomentem as colocando em suas criações através de relações responsáveis com seus produtores.
Para os artesãos e grupos de técnicas tradicionais: é necessário se organizarem coletivamente e buscarem apoio de institutos de fomento à cultura tradicional e órgãos públicos ligados à economia criativa e solidária de suas regiões.
E para todos nós, consumidores: é necessário buscarmos saber mais sobre as peças que compramos, apreciarmos o trabalho feito à mão em detrimento ao feito a máquina e valorizarmos os artesãos que as produzem através de um pagamento justo.
Precisamos urgentemente nos conectar de novo com o manual, com o toque, com o tempo longo dos processos, com a paciência, com a beleza da não padronização, com as histórias de cada ponto, cada linha e pessoa envolvida.
Cada peça de crochê, cada trançado, cada bordado carrega consigo a riqueza de um conhecimento vivo e de um modo de existir que está em oposição à digitalização da vida e a banalização gerada pela indústria de produção em massa. A peça feita à mão é uma oportunidade de vestir-se com algo que carrega uma história.
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