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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Até quando engoliremos uma produção agrícola que coloca o futuro em xeque?

Aplicação de agrotóxicos sem o uso de equipamento de proteção - Getty Images/iStockphoto
Aplicação de agrotóxicos sem o uso de equipamento de proteção Imagem: Getty Images/iStockphoto
Marina Lacôrte

03/12/2021 06h00

Hoje, dia 3 de dezembro, é comemorado o Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos. A história por trás da data é motivo de muito lamento já que marca o pior acidente industrial da história. Neste dia, em 1984, 8 mil pessoas morreram e outras 150 mil ficaram intoxicadas devido a um vazamento de uma fábrica de agrotóxicos na cidade de Bhopal, na Índia. Passados 37 anos, o que será que aprendemos com esta tragédia? No Brasil, aparentemente muito pouco.

Apesar das evidências de todas as consequências deixadas, o acidente não impediu a produção do Carbaril (ingrediente ativo do Sevin), por exemplo, do grupo dos carbamatos - substâncias consideradas neurotóxicas e associadas a efeitos no desenvolvimento humano, podendo afetar bebês e crianças. É absurdo que ainda possamos facilmente encontrar traços dessa substância na água, além de tantos outros venenos em diversos alimentos. Além disso, pequenos "Bhopais" seguem acontecendo já que não é incomum que adultos, crianças, escolas e comunidades inteiras sejam atingidas por agrotóxicos (muitas vezes de forma criminosa), e que trabalhadores rurais continuem muito expostos a essas substâncias.

Nos últimos três anos, foram liberados cerca de 1500 novos produtos de agrotóxicos e, recentemente, o presidente Bolsonaro publicou o decreto 10.833/2021, que avançou com os pontos mais críticos presentes no Pacote do Veneno (PL 6.299/2002), contra o qual a sociedade tem se manifestado desde 2017.

Enquanto nos atolam cada vez mais em um sistema alimentar dependente de veneno, impulsionador de desmatamento e gerador de injustiças sociais, é fundamental promover debates que possam nos afastar de tragédias como essas. Precisamos estimular uma agricultura mais justa, saudável, responsável e sem maquiagem verde, como temos visto o agronegócio "pintar".

A solução começa com melhores escolhas políticas. Sem debate democrático, nossos representantes nos empurram cada vez mais produtos como o Sevin, além de tantas outras substâncias nocivas que já foram proibidas em outros países - justamente por seus riscos à saúde e ao meio ambiente.

Quando falamos de solução e de garantia de produção de alimentos a longo prazo e em harmonia com a natureza, falamos da agroecologia. Muitos agricultores familiares já estão inseridos nesse contexto e são a prova de que é possível produzir de outra forma. Não se trata de uma opção apenas, mas de um caminho para o qual devemos seguir para que produzir de forma saudável e sem a dependência de veneno se torne o novo normal.

A transição terá que ser gradual, mas precisa ser iniciada com urgência. A saída é coletiva e só virá quando os indivíduos entenderem o problema e a importância das ações conjuntas nas nossas escolhas e pressionarem nossos governantes para isto. Se estes têm feito escolhas erradas sobre a alimentação da população brasileira, é fundamental que cobremos deles políticas públicas que incentivem a produção e o acesso a alimentos de qualidade, sem veneno, a preços justos e que promovam hábitos alimentares mais saudáveis - e não apenas para aqueles que podem pagar e ter acesso, mas para todas as pessoas.

Em um momento como este, em que a fome voltou ao lar de 19 milhões de brasileiros, democratizar o acesso a uma alimentação saudável e livre de agrotóxicos é prioridade. Para aqueles que ainda podem escolher, se engajar em iniciativas de apoio à agricultura familiar e à agroecologia no campo do consumo também é fundamental, começando por estar menos nos supermercados e mais nas compras diretas com o produtor. Parece pouco, mas escolhas como essas podem contribuir para uma grande transformação, apoiando um sistema que cuida das pessoas e do planeta.