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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Não há mais lugar no mundo para a perda e desperdício de alimentos

Getty Images
Imagem: Getty Images

Rafael Zavala e Regina Cavini

29/09/2021 06h00

A redução da perda e do desperdício de alimentos é urgente. A pandemia de covid-19 expôs diversas lacunas não apenas nos sistemas de saúde, mas também em nossos sistemas econômicos e nos sistemas agroalimentares. Em comparação com 2019, quase 14 milhões a mais de pessoas foram afetadas pela fome na América Latina e no Caribe em 2020, representando um total de 418 milhões de pessoas. No Brasil, mais 12 milhões de pessoas passaram a figurar na faixa da insegurança alimentar grave ou moderada, totalizando 49,6 milhões de pessoas.

Parece contraditório que isso aconteça ao mesmo tempo em que se perdem e desperdiçam tantos alimentos. Da colheita ao varejo, cerca de 12% dos alimentos, um equivalente a 220 milhões de toneladas, são perdidos por ano na América Latina. Já na etapa do consumo, em um ano, os desperdícios chegam a uma estimativa de 34 a 95kg de alimentos jogados fora por pessoa. Pensando, na circularidade deste setor, as perdas e desperdícios ainda agravam a projeção de esgotamento de muitos aterros sanitários.

Além disso, a pegada de carbono deixada pela perda e desperdício é de 3,3 gigatoneladas de dióxido de carbono (CO2), o que se traduz em 7% das emissões globais de gases de efeito estufa. Cerca de 1,4 bilhões de hectares são usados na produção de alimentos perdidos ou desperdiçados, o que equivale a 30% das terras agrícolas do mundo. E os números continuam: o uso de recursos hídricos atribuíveis a alimentos perdidos ou desperdiçados chega a 250 km³, o que representa cerca de 6% da extração total de água no mundo - o que, dado o atual cenário de crise hídrica no Brasil, é inaceitável.

Mudar esta realidade é um compromisso de todos nós. Aumentar a eficiência de nossos sistemas alimentares e reduzir a perda e o desperdício de alimentos exige uma mudança de comportamento, bem como investimento em inovação, tecnologias e infraestrutura. Além disso, perceber e maximizar os impactos positivos da redução da perda e do desperdício de alimentos requer boa governança e desenvolvimento de capital humano, bem como colaboração e parcerias.

A redução da perda e do desperdício de alimentos não é apenas importante no combate à fome, é também um meio poderoso de fortalecimento da sustentabilidade de nossos sistemas alimentares, redução das emissões de gases de efeito estufa e melhora da saúde planetária. Por trás de cada alimento perdido ou desperdiçado, também está uma série de processos e recursos envolvidos, como água, terra, horas de trabalho e esforço biológico, humano e tecnológico.

Antes da pandemia, se alimentar a população mundial respeitando parâmetros e indicadores socioambientais já era considerado um desafio complexo, agora, isso é premente. E o processo de reconstrução verde apresenta oportunidades para investir de forma mais sustentável enquanto se enfrentam as desigualdades na sequência da devastação provocada pela pandemia.

Neste caminho, a redução das perdas e desperdícios é um tema que deve estar presente na agenda governamental não apenas no Brasil, mas em todos os países do mundo. As chaves encontram-se na tomada de decisões com base em informação e dados de qualidade, alianças entre os atores do sistema alimentar, a promoção e aprovação de leis de redução de perdas e desperdícios, no apoio aos pequenos produtores e sensibilização de produtores e consumidores para hábitos e práticas mais responsáveis.
Já temos soluções em mãos, e esperamos que este 29 de setembro, Dia Internacional de Conscientização sobre Perdas e Desperdícios de Alimentos, possa ser mais um marco para uma consolidação da verdadeira transformação dos nossos sistemas agroalimentares. Em nosso novo mundo, não há mais lugar para a perda e desperdício de alimentos.

Rafael Zavala é representante da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) no Brasil
Regina Cavini é representante adjunta interina do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) no Brasil