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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ofensiva contra áreas protegidas afeta saúde, alimentação e economia

Foco de incêndio em ponto da Amazônia em agosto de 2020 - Christian Braga / Greenpeace
Foco de incêndio em ponto da Amazônia em agosto de 2020 Imagem: Christian Braga / Greenpeace
Mariana Napolitano

14/08/2021 06h00

Segundo o IPBES, as mudanças no uso da terra são a causa de mais de 30% das doenças infecciosas emergentes, como a covid-19. Assim, se quisermos minimizar a frequência, impacto e disseminação de novas pandemias, precisamos priorizar a manutenção de ecossistemas saudáveis, especialmente nas regiões tropicais nas quais o ritmo de desmatamento continua acelerado.

As áreas protegidas, territórios indígenas e demais áreas conservadas por comunidades são uma das ferramentas mais eficientes para conter o desmatamento e a degradação dos habitats, tendo um papel importante para a redução do risco de novas zoonoses. Ao mesmo tempo, contribuem para a redução das emissões de carbono, a proteção da biodiversidade, garantem os meios de subsistência locais e geram uma série de outros benefícios para as populações humanas.

Porém, no início do mês de julho, a Assembleia Legislativa de Rondônia insurgiu-se contra unidades de conservação da natureza no território do estado e votou, por meio do PL 104/2021, pela extinção do Parque Estadual Ilha das Flores e pela redução da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Limoeiro, retirando a proteção de mais de 95 mil hectares de áreas protegidas (praticamente o tamanho do município de Belém, no Pará). A decisão dos deputados foi sancionada pelo governador de Rondônia, Marcos Rocha (PSL), no dia 29 do mesmo mês.

Essas duas áreas foram criadas para compensar as reduções da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual Guajará-Mirim, sancionadas pelo governador em maio deste ano.

Processos de redução, recategorização e extinção de unidades de conservação (conhecidos pela sigla em inglês PADDD - protected áreas downsizing, downgrading and degazettement) são cada vez mais frequentes no Brasil.

Segundo dados da plataforma PADDD Tracker, do WWF-Brasil, cerca de 90 eventos de PADDD tiveram foram efetivados no país nos últimos anos, afetando mais de 110 mil quilômetros quadrados, área superior à do estado de Pernambuco.

Na última década, diversas propostas de PADDD passaram a tramitar de modo mais intenso na pauta do Congresso Nacional e das assembleias estaduais sem a transparência devida, respaldo técnico e participação da sociedade.

As mudanças propostas, em sua quase totalidade, reduzem o status de proteção dessas áreas, ameaçando a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos. As motivações principais para isso são obras de infraestrutura e mudança no uso de solo.

Queimadas, desmatamento, garimpo, eventos de PADDD e ameaças aos povos originários, guardiões da natureza, têm colocado em risco crescente nossos biomas e nos deixado muito distantes de garantir a necessária conservação da biodiversidade e a redução das emissões dos gases de efeito estufa.

Tais paisagens e os povos tradicionais que nelas habitam prestam importantes serviços ecossistêmicos para a segurança alimentar, hídrica e energética como polinização, regulação do regime de chuvas e climático. Os efeitos dessa destruição continuada já começam a ser sentidos por todos os brasileiros com eventos climáticos extremos que ameaçam o abastecimento hídrico das cidades, impactam a produção de alimentos e nos tornam cada vez mais dependentes de fontes de energia altamente poluente e caras.

A redução de áreas protegidas faz parte de um ciclo perverso de invasão, atividades ilegais e desmatamento. Estudo publicado recentemente por brasileiros na revista "Nature" afirma que algumas regiões da floresta amazônica passaram a emitir mais gás carbônico do que a absorver, em virtude do desmatamento e do aquecimento.

A conexão entre a natureza saudável e a saúde e o bem-estar humanos foi reforçada por essa pandemia. A proteção da natureza é essencial para o crescimento econômico sustentável e para a saúde humana, questões prioritárias na agenda de recuperação global e presentes nas Conferências das Nações Unidas sobre o Clima (COP26) e sobre Diversidade Biológica (COP15), que se realizam no final deste ano.