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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Diversidade não é suficiente, precisamos de PLURALIDADE

"Ouça o Simon Sinek e pense no jogo infinito, pense a longo prazo." - Kamila Camilo
"Ouça o Simon Sinek e pense no jogo infinito, pense a longo prazo." Imagem: Kamila Camilo
Kamila Camilo

11/07/2021 06h00

Eu gosto muito da frase: "Diversidade é convidar para o baile, inclusão tirar para dançar'', da Lisiane Lemos, mas uma amiga completou essa frase dizendo: "pertencimento é dançar como se ninguém estivesse te olhando". Não pretendo pegar leve aqui, então só continue a leitura se estiver a fim de ser provocada/o/e.

Quando falo para as pessoas que diversidade não basta imediatamente vejo alguns olhos revirar como quem pensa: "Não podemos nem dar a mão que já querem o braço inteiro!" Há quem se contente com ser a única pessoa "diversa" (seja lá o que isso quer dizer) em um espaço. Pessoalmente, no momento exato em que me vejo sendo a única em um espaço só consigo sentir um vazio e um sentimento de não pertencimento. É como se eu precisasse me ajustar para caber em um espaço que não é meu.

Mas depois de algum tempo criando repertório e aprendendo a lidar com meus conflitos, posso dizer que já não me interessa estar em um lugar onde a minha presença sirva apenas para validar culpa branca ou dar um "up" na reputação.

É ótimo que as organizações estejam fazendo processos seletivos para pessoas negras, com deficiência, mulheres, LGBTQIAPF+, egressas do sistema prisional, jovens e 50-60+ (não fazem mais do que a obrigação - como diria minha mãe) mas sem mudanças estruturais isso tudo só é incrível para a reputação. Ai eu pergunto: quantas destas mesmas organizações estão mudando suas estruturas para acolherem essas pessoas em suas particularidades? Ou questionam suas estruturas e criam espaços seguros para que essas pessoas se desenvolvam? Não estou dizendo para ninguém "baixar a régua" como algumas lideranças corporativas falam, estou falando de acolhimento mesmo, de programas de desenvolvimento, de políticas anti assédio e etc.

Estamos na metade da Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024) declarada pela ONU, cujo plano de ação desenha medidas que articulam nos níveis local, regional e global ações de promoção da igualdade racial e superação da discriminação. E mesmo assim pessoas negras podem ganhar até 47% menos que pessoas não negras no Brasil, isso entre pessoas com ensino superior, quem não teve acesso a educação formal cai num buraco de exploração muito pior. Ainda temos casos de pessoas em situações análogas a escravidão sendo reportados neste país e se você esta em uma posição de liderança e não trabalha para mudar essa situação, tem algo errado.

No Brasil temos legislação para empregabilidade de pessoas com deficiência e jovens sem experiência profissional, e mesmo assim menos de 50% das empresas que se enquadram nos requisitos e deveriam cumprir tais obrigações o fazem, sabem por que? Preferem pegar multa a mudarem suas culturas internas.

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Diversidade não é suficiente, precisamos de PLURALIDADE
Imagem: Kamila Camilo

Entretanto, a pandemia mostrou que países onde havia liderança feminina no combate à covid o êxito foi maior e isso não é eufemismo barato para dizer que mulheres são sensíveis, detalhistas e cuidam melhor das pessoas. É porque mulheres se hiper qualificam para as posições que vão ocupar em função da misoginia que inevitavelmente irão sofrer ao longo da jornada. Só no Brasil as mulheres produzem 72% dos artigos científicos, mas adivinha quem ocupa as posições mais altas? E durante a pandemia onde a economia do cuidado e a divisão social do trabalho ampliaram as diferenças de gênero, sabem quem sofreu maiores impactos? As mulheres, sobretudo as mulheres negras.

Em uma conversa profunda sobre diversidade, equidade e inclusão com um amiga eu disse que estava cansada deste papo, porque sempre cai na máxima da representatividade, tem uma pessoa ou um pequeno grupo de pessoas que não atendem MO homem, branco, hetéro, cis, neurotipico e a empresa já considera que fez a sua parte. Faz um workshop sobre vieses inconscientes e acha que aquilo mudou a vida das pessoas e que aqueles vieses nunca mais vão se manifestar.

Sinto muito informar, mas desconstruir dá bem mais trabalho do que sonham nossos conselhos de administração e C-levels. Não basta contratar é preciso ampliar as vozes, dar poder de voto, de decisão, considerar as ideias, valorizar e reconhecer publicamente as pessoas.

Em 2019, em um levantamento da ABERJ - Associação Brasileira de Comunicação Empresarial - 47% das empresas entrevistadas declararam que programas de diversidade trazem soluções inovadoras para o negócio, então o que fazer para termos organizações mais plurais?

"Todos os aspectos da condição humana têm alguma relação com a política" (Hannah Arendt)

O convite de Hannah Arendt nesta frase é para refletirmos que qualquer ação envolvendo pessoas tem sua raiz na política, ou seja, pede revisão estrutural. Não é apenas sobre um processo seletivo exclusivo para um grupo de pessoas, é sobre toda a organização tomar mais consciência sobre o seu papel como agente de transformação e desenvolver uma cultura de pluralidade.

É preciso criar processos de reparação, ter coragem de silenciar aqueles(as) que queiram fazer manutenção do seu status quo em detrimento da ascendência de pessoas que fazem parte dos chamados grupos minorizados, adotar novos formatos de liderança.

Para haver reparação de gênero precisamos de mais mulheres no comando, para haver reparação racial precisamos de pessoas negras em posição de liderança, mas durante o processo de transição essas pessoas também precisam de suporte em suas jornadas. Por que não termos duplas nos cargos? Nem é bom que uma única pessoa acumule tanto poder. Eu sei que o financeiro vai dizer que custa caro, mas encare promoção de equidade como investimento, ouça o Simon Sinek e pense no jogo infinito, pense a longo prazo. Não vai haver espaço no mercado para quem não entende seus consumidores e bom, melhor criar com quem sentiu na pele as necessidades não é mesmo?

Agora que consegui te fazer pensar, vou deixar aqui 12 soluções para começar a desenvolver uma cultura de pluralidade na sua empresa ou organização:

  1. faça um censo - descubra quem trabalha na sua empresa, algumas informações a folha de traz, mas não tem nada melhor do que ouvir as pessoas

  2. faça uma pesquisa de clima, mas seja intencional e busque endereçar os desafios que possam surgir neste diagnóstico;

  3. reveja seu manual de conduta e se for preciso crie um único apenas para sua política de diversidade;

  4. crie uma política anti assédio com punições claras e tenha canais seguros para denúncia

  5. invista em capacitação de comunicação não-violenta e mediação de conflitos para toda a empresa, mas principalmente para gestores(as) de pessoas - não importa quantas;

  6. tenha um grupo de reflexão sobre branquitude e um sobre masculinidade tóxica, não basta criar grupos de afinidades para as pessoas que são oprimidas, é preciso que os opressores tenham consciência das dores que causam e tenham um espaço seguro para se abrirem e buscarem mudanças;

  7. reveja todos os seus processos de contratação, e elimine barreiras de entrada;

  8. faça busca ativa;

  9. tenha programas de desenvolvimento e progressão de carreira claros;

  10. licença paternidade equivalente a licença maternidade;

  11. seja aliado(a) sempre que notar uma injustiça seja ela uma fala interrompida em uma reunião ou uma piada de mal gosto no chat da empresa REAJA;

  12. tenha programas de mentoria internos, onde colaboradores(as) mais experientes acompanham as pessoas pertencentes aos grupos minorizados especialmente em início de carreira, mas se certifique de não criar duplas onde as dinâmicas de poder possam invisibilizar e gerar ainda mais apagamento desta pessoa.

A verdade é que podem mudar o mundo uma atitude por vez, comece pelo lugar onde você investe a maior parte do seu tempo, no seu trabalho.