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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Home office? Nós, das periferias, estamos à frente dos serviços essenciais

Motorista higieniza ônibus antes da entrada dos passageiros em terminal urbano de Florianópolis (SC) - Eduardo Valente/iShoot/Estadão Conteúdo
Motorista higieniza ônibus antes da entrada dos passageiros em terminal urbano de Florianópolis (SC) Imagem: Eduardo Valente/iShoot/Estadão Conteúdo
Max Maciel

04/07/2021 06h00

Contam-se mais de 500 dias desde o início da pandemia. Uma tragédia que já levou a vida de mais de 500 mil pessoas no país. Enquanto isso, pela incapacidade dos governantes, apenas 11,95% da população está totalmente imunizada contra a covid-19.

Na disputa de narrativas sobre os riscos, vacinas e potenciais tratamentos, o que mais se viu foi o impacto das fake news. Inclusive, esse tem sido um dos maiores desafios no enfrentamento à pandemia.

Com o vácuo de uma coordenação nacional, cada estado da federação operou a partir de si mesmo. Uns correram para garantir vacinas, outros, embarcaram no negacionismo e seguiram pelo inexistente caminho da imunização de rebanho.

Nos decretos e lockdowns sempre vinha o "exceto serviços essenciais" e aí entende-se o que faz a cidade funcionar.

Desde o primeiro diagnóstico, o vírus vindo da Europa entrou pela classe média alta e se espalhou pelas quebradas justamente porque somos nós, os trabalhadores e trabalhadoras das periferias, que acordamos cedo e fazemos a cidade funcionar. Os que estão à frente dos serviços chamados essenciais.

Muita gente não teve um único dia de "fique em casa."

É gente que sai de casa cedo e deixa seus filhos sem local apropriado, porque a exclusão também é educacional. Conforme mostram os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de outubro de 2020, estima-se que 4,1 milhões de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos tiveram dificuldade de acesso ao ensino remoto em 2020. E que cerca de 1,3 milhão abandonou a escola.

Trabalhadores do transporte público, atendentes dos mais diversos tipos, auxiliares de serviços gerais, limpeza urbana e entregadores, que atendiam quem conseguia ficar em home office.

Fora esses, os mais de 35 milhões na informalidade, que saíram se arriscando para garantir a sobrevivência econômica.

O balanço final é de uma desorganização total. Na busca de minimizar os danos, estes que não ficaram em casa assistiram as contas crescerem exponencialmente. Gás, alimentos, conta de água e luz, aluguel. Uma explosão inflacionária de efeitos perversos.

No DF, o gás já atingiu o valor de R$ 85 a R$ 100 reais, a depender da região. Vimos o pacote de arroz em novembro de 2020 bater 35 reais. Um dos maiores produtores de grãos do mundo, deixou seu povo à mercê de uma terrível insegurança alimentar.

Na capital federal, quando o assunto é vacinação a expectativa também não é das melhores. A primeira opção foram os drive-thrus e em seguida, os agendamentos via internet para o público. E até o momento em que esse texto foi escrito só havíamos vacinado pessoas até os 48 anos.

Mas e quem não tem carro? O que dizer para essa massa que tem celular, mas seu pacote só cobre alguns aplicativos? A lógica excludente segue a mesma, desde o início desta pandemia.

Relatos que chegaram até nós, via Twitter:

Quando minha mãe foi vacinar (profissional de saúde) era só no "drive-thru"aqui em Samambaia (DF), não temos carro. Os profissionais diziam arruma um jeito, bicicleta ou qualquer coisa, no fim tivemos que pedir "carona" pra alguém que estava de carro na fila pra ela conseguir vacinar. Samantha Lima

Minha namorada teve que pedir carona (sim, entrou no carro de um casal desconhecido) pra tomar a vacina porque no posto era drive-thru. Marcella Avelar

Não é um texto vitimista, mas um balanço da ausência de políticas de cobertura social aos mais vulneráveis. Contudo, infelizmente, isso não é novidade. A periferia já vive esse futuro, chamado "novo normal", aqui é rotina.

Não é de hoje que reclamamos da ausência de leitos em UTI e do acesso à saúde, que lutamos por moradia digna e renda justa, que pedimos ampliação do saneamento básico. Nessa busca, pouco se viu, por exemplo, o atendimento e inclusão da população em situação de rua nas agendas de forma incisiva.

Esse tempo de pandemia serviu para reforçar ainda mais as desigualdades e as vulnerabilidades da população que cotidianamente foi excluída e ignorada das agendas públicas de governança.

O positivo, se é que existe alguma coisa boa diante disso tudo, é que vimos mais e mais solidariedade sendo compartilhada. Foi e ainda é "nós por nós", literalmente. Porém, não é nosso papel substituir o Estado e nem temos como dar vazão para a demanda que só cresce. Por isso, nosso papel também é reivindicar direitos e que coloquem as periferias no centro das prioridades.

Nossa luta segue sendo por viver e sobreviver. É para garantir comida na mesa e vacina no braço.