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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Uma década decisiva para a nossa existência no planeta

Nastco/Getty Images/iStockphoto
Imagem: Nastco/Getty Images/iStockphoto

JP Amaral e Carolina Tarrío

06/06/2021 06h00

Estamos iniciando uma década decisiva para o nosso presente e futuro na Terra. É nesta década que precisamos estabilizar a temperatura do planeta para minimizar os efeitos já danosos das mudanças climáticas, e também evitar o "ponto de não retorno" da Amazônia. É também a década prevista para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. E, por fim, a década estabelecida pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) para prevenir, interromper e reverter a degradação dos ecossistemas em todos os continentes e nos oceanos - a Década da Restauração.

Mas é possível fazer tudo isso em 10 anos? É, mas para isso temos de dar um salto. E precisamos aprender a fazer isso com as crianças. Trata-se de um salto semelhante ao que uma criança dá nos seus primeiros 10 anos de vida, com todos os desafios e conquistas que esse período traz. Com toda a adaptação, plasticidade, elaboração, conexões e gana pela vida que esses anos significam para elas.

Os primeiros meses de vida de um bebê representam o despertar. É quando começa a ficar mais tempo acordado, observar tudo que está à sua volta e responder aos estímulos. Nós ainda precisamos despertar para a crise ambiental em que vivemos, algo que os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) estão tentando nos mostrar desde a década de 90. Para começar a mudar, o primeiro passo é acordar para o problema, olhar em volta. O ar e os rios estão poluídos, os animais e árvores que nossos pais e avós viam em certos locais já não estão mais lá. As tempestades e as secas se tornaram mais intensas.

Junto com o despertar, vem um turbilhão de conexões que precisam ocorrer a partir de estímulos físicos, sociais, emocionais e cognitivos. O cérebro de uma criança se desenvolve realizando mais de 1 milhão de conexões neurais por minuto. E os primeiros 3 anos são cruciais. É quando ela cria os alicerces de tudo o que será desenvolvido depois, nesta "casa" chamada vida. Assim terá de ser nossa guinada rumo à preservação dos ecossistemas da Terra. Precisamos, em um curtíssimo tempo, estabelecer as conexões necessárias para mudanças sistêmicas. Formar as bases de uma governança global que, reconhecendo nossa interdependência com a natureza, tal como uma criança depende dos seus pais e cuidadores, organize e planeje as ações necessárias. Mudar o nosso modo de produção e consumo, de modo a fechar, o quanto antes, as torneiras de todos os tipos de poluentes. Parar de usar combustíveis fósseis, evitar drasticamente o plástico, estancar queimadas, desmatamentos e repensar as bases da nossa alimentação. Com isso, permitimos que a natureza faça o que ela sabe fazer melhor: se regenerar. É um imenso aprendizado, que demandará um imenso investimento físico, social, emocional, cognitivo. É fazer de outro jeito, olhando por novas perspectivas, reinventando a nós mesmos.

Até os 5 anos, a criança desenvolve quase 90% do cérebro. Nesse período, criam-se as principais habilidades cognitivas. A criança também cresce e aprimora sua motricidade: ela se move, se arrisca mais, se aventura e explora o mundo, na mesma medida em que desenvolve sua imaginação e criação. É hora de implementar e experimentar respostas, muitas já sabidas, para mudar o cenário. Uma das respostas mais simples, baratas e ao alcance das nossas mãos é plantar árvores. Sabe quem vem liderando essa frente? As crianças! O movimento Plant for the Planet, criado por um garoto de 9 anos, já iniciou um movimento para plantar 1 trilhão de árvores no mundo, quantidade suficiente para equilibrar a temperatura do planeta.

Dos 7 aos 10 anos, a criança começa a compreender sua própria identidade, sua potência e sua relação com o mundo de forma mais ampla. As relações com o outro ganham mais peso, e as crianças entendem que há uma diversidade de formas de ser e estar no mundo, não apenas a de sua família. É nesse momento que a nossa humanidade, nesta próxima década, precisará honrar o fato de que as soluções só ocorrem de forma colaborativa, compartilhada. Que não só o bolo, mas também a receita, precisam ser melhor distribuídos.

Se na primeira década de sua vida for permitido à criança vivenciar a natureza e se conectar com ela, cotidianamente, usando todos os sentidos, de corpo presente, por meio de sua linguagem, que é o brincar, ela terá percebido os benefícios que esse vínculo com um ambiente saudável traz, para si e para os outros. Terá entendido que proteger todas as formas de vida é necessário. Assim, ela estará preparada para levar isso adiante por muitas e muitas décadas. É o que busca o projeto TiNis - Terra das Crianças, do programa Criança e Natureza, iniciativa do Instituto Alana, fortalecendo o vínculo da criança com a natureza e propiciando sua formação como um agente de transformação, a partir do plantio.

Neste momento, são os jovens e as crianças, que ainda se reconhecem como natureza, os mais incisivos e efetivos em insistir que acordemos, que promovamos as transformações profundas e urgentes que todos e todas precisamos. Teremos de ser, nesta década, tão corajosos quanto as crianças. Frente aos desafios, elas simplesmente confiam em sua natureza — e dão salto.

Carolina Tarrío é jornalista, mãe da Ana e do André, assessora do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, e uma das fundadoras do Movimento Boa Praça, que desde 2008 atua para mobilizar, ocupar, revitalizar e criar melhores áreas verdes na cidade de São Paulo.

JP Amaral é coordenador do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana. Conselheiro do Greenpeace Brasil, cofundador da rede Bike Anjo e do coletivo Ecologia Urbana e bacharel em gestão ambiental pela Universidade de São Paulo com especialização em sistema de gestão integrada pelo Senac e futurismo na metodologia Fluxonomia 4D, faz parte da rede de futuros líderes do Programa da Chanceler Alemã da Fundação Alexander von Humboldt, membro alumni da rede Red Bull Amaphiko de Empreendedores Sociais e do Young Global Changers.