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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que eu aprendi vivendo como homem e como mulher

Gabriela Augusto da Transcendemos Consultoria - Divulgação
Gabriela Augusto da Transcendemos Consultoria
Imagem: Divulgação
Gabriela Augusto

19/05/2021 14h03

Uma pessoa pode se deparar com uma série de desafios ao longo de sua vida. Esses desafios podem ser maiores ou menores, a depender de alguns fatores, como a cor da pele, classe social ou gênero. Sobre essa última característica, posso compartilhar uma experiência bastante interessante.

Na minha infância, ganhei carrinhos, caixinhas de ferramentas, bonecos de ação e vários outros brinquedos similares. Afinal, quando nasci, me definiram como um menino e esses são elementos comumente associados a esse universo. Uma visão de mundo da qual é bastante difícil se desvencilhar.

Da mesma forma que uma canoa se deixa levar pela correnteza de um rio, segui fazendo aquilo que as pessoas esperavam que eu fizesse. Cresci e aprendi que um homem de sucesso tinha que ter, ser e fazer algumas coisas. A primeira era comprar um carro, mas como eu não tinha dinheiro, acabei riscando esse item da lista. A segunda era ter uma barba cheia, mas como meus pelos nunca foram muito fortes, também deixei isso de lado. A terceira era transmitir uma autoconfiança e fazer sucesso com o gênero oposto. Como isso dependia mais de um esforço particular do que qualquer outra coisa, decidi seguir por esse caminho.

Durante a minha adolescência, estive em muitas festas. Curiosamente, esses eventos foram importantes para me propiciar reflexões sobre o meu lugar no mundo. Uma coisa que me intrigava, por exemplo, era a grande assimetria dos papéis masculino e feminino em contextos heterossexuais. Homens deveriam ficar "tentando" algo com mulheres, enquanto elas deveriam aguardar alguém que lhes seduzisse.

Enquanto pessoa que era lida como homem, fui cobrada pelos meus colegas. Na medida em que não desempenhasse a masculinidade esperada, meus status social era ameaçado. Uma dinâmica bastante cruel que me fez muito mal.

No auge dos meus vinte anos, uma coisa muito importante aconteceu. Reuni a coragem necessária para viver quem eu sempre fui, Gabriela. Essa transição de gênero fez com que a minha relação com o mundo mudasse drasticamente.

Ainda me lembro da primeira viagem que fiz como Gabriela. Cheguei à noite em um hotel do Rio de Janeiro e precisei sair para comer, pois estava com fome. Aquela foi a primeira vez na vida que pensei "Nossa, pode ser perigoso sair à noite sozinha, em uma grande cidade". Antes da transição, esse era um privilégio sobre o qual eu nunca havia parado para pensar. Assédio nunca tinha sido uma questão para mim.

Com a pandemia, eu e todo o restante do mundo, tivemos que ficar mais em casa. Mesmo nesse novo cenário, o assédio continuou latente. Passei a receber mensagens de teor sexual no LinkedIn (sim, LinkedIn) e receber mais elogios sobre a minha aparência física do que sobre minha inteligência em reuniões de trabalho (sim, reuniões de trabalho).

A autoconfiança que antes era uma fortaleza, agora deve ser transmitida de forma mais comedida. É comum que uma mulher seja interpretada como arrogante pelo simples fato de saber o que está fazendo. Essa questão também foi novidade para mim.

Talvez promover essa reflexão seja o grande objetivo desse meu texto. Quantas coisas deixamos de compreender, porque não nos colocamos no lugar do outro? Quantos homens não se consideram igualitários e sem vieses, mas nunca pararam para pensar em como se sente uma mulher ao ouvir um "elogio" fora de hora?

Eu sei que um homem nunca vai entender o que uma mulher vive. Mas a chave para promover um futuro mais justo parece passar pelo questionamento dos papéis que nos são impostos. Isso envolve olhar para coisas que parecem ser pequenas e sem importância para nós, mas que podem significar muito para quem está do outro lado.