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REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Eles, sem cerimônia alguma, retiram-nos de qualquer lugar

Helena Meireles  - Arquivo pessoal
Helena Meireles Imagem: Arquivo pessoal

Ènìyàn Helena

14/12/2020 04h00

Agô...

Antes de transcrever qualquer emissão do sopro divino, a mim dado e dá ocupação intelectual que segue, peço licença para entrar.

Foi assim que aprendi: nos saberes cotidianos dos meus mais velhos e na tal oralidade ancestral, assegurando uma possibilidade vital, apesar de todo e qualquer deslocamento sofrido. Nas histórias contadas pelos avós que eu não conheci. Na estratégia do Mandume sabedor de quem era essa terra, mas que necessitava de um canto para aquilombar (Salve Palmares! Salve Areal da Baronesa! Salve o Quilombo da Fazenda! Salve o Quilombo dos Lemos!).

Aprendi antes mesmo de chegar naquela sala fria, com cadeira dura, cores mortas...onde sentado, enxergava uma nuca ou um quadro verde, que eu nunca entendi porque chamavam de negro. Foi lá, na escola, que escutei pela primeira vez que éramos todos iguais. Mas eu olhava para um lá, olhava para o outro e nem de longe refletia-me em alguém. E é daí que vem a tal importância de um corpo trans estar no espaço escolar. É desobedecer a ordem imposta por um sistema hierarquizante e que domina um espaço não pensado para nós.

Foi na postura rígida e ao mesmo tempo afetuosa daquele homem preto, que sequer tinha sido ensinado a amar, nos seus castigos carinhos e naquele limite dado, demonstrando se importar, aprendi. As lembranças daquele homem preto, gordo, forte. Um cabelo grisalho e farto cabelo de homem preto! Era o Vô Pedro; e o seu inconfundível bigode (tão branco quanto o seu cabelo. Ele cuidava. Brigava e cuidava; ele sabia sobre a experiência de ser um homem negro ir aqui.

No Agô a quem veio antes, na troca de experiências com quem veio comigo e no que deixarei para quem ainda nem chegou. Aprendo na roda que propõe um ciclo contínuo. No movimento do início, meio e início, com o bem nos lembra Nego Bispo. Por isso, peço licença a quem vem de longe. A quem não me deixa só. Licença é permissão, é pedir ajuda. É entender que essa mão que escreve, representa o as histórias e os desejos não realizados, de muitos dos meus ( e aí está o compromisso ancestral: continuar a luta de quem se foi!). Palavras desenhadas, desenhos palavriados. Muitas mãos. Reencontro. Coletividade.

E quem é você, que chega na marra,

na ginga, afrontosa e trabalhada na mandinga,

fazendo barulho ao caminhar?

Quem é? Quem é?

É a que grita, ginga...brota

É a que ginga, gira e agita!

Há qualquer hora...em qualquer lugar!

Chamando ou não,

Me apresento!

Pois corri, briguei e lutei

Por um gênero...

Desmontei para me encaixar...

...dilacerei! E descobri que, na verdade, Não se tratava de não me querer por inteiro. Eles não me queriam.

Deslocaram. Nos queriam folha em branco. A Terra, ao alcance dos olhos, foi retirada. Porém, para quem sente-se parte , conectada por todos os sentidos, está longe dos olhos, mas não do coração.

Ènìyàn,

Guardiã,

Helena.

Habita na encruza,

Nos altos e baixos da vida.

Na porta. No portal.

Entre o visível e o invisível...

Entre o material e o imaterial

Orun e Ayê!

Sou eu, sou eu!

E não me troco por ninguém!

Comunhão de espírito...

desobediência ao Ocidente...

Força vital...

AXÉ!

E mergulhou no fundo

no sul da origem

De lá, onde vem quem antecedeu. Entre Garvey, Asante, Oyèrónke...Sobonfu, descobriu, mergulhou, afrocentrou.

Ele, ela

Isso, Aquilo.

Começo, recomeço.

Vida e morte.

Cabeça, cabaça...

segredo.

O homem e a mulher.

A gota do Pai e da Mãe.

Vem de longe...

resultado de muitos aquilombamentos. Fruto de Afrika,

onde todos são parentes,

onde todos são irmãos.

Círculo. Ciclo. Conexão.

Princípio de unidade...

afim de manter a Comunidade,

com autodeterminação...

pois " tudo que nóis tem é nóis". Andar coletivo e responsável,

afim de reparar o deslocamento sofrido. Criando e vivendo de nossas próprias escolhas, gerências, produções... Um proposito: restabelecer nosso povo,

fazendo valer o desejo de Olodumare e a criação de Obatalá!

Criadores e criaturas,

dotados de criatividade e fé.

Pra quem tem NJIA,

Combinação, coincidência...é sorte É pretitude que bebe na mandinga da cosmopercepção...

Nada é de um...

nada individual.

Tudo é de todos.

É tudo nosso!

E quando um desses corpos se movimenta, mexe com quem veio antes,

quem é do durante...

e até com quem tá pra chegar depois! Sim, "a gente combinamos de não morrer"... Mas isso nunca foi só nosso!

Foi estratégia de calungo,

mandinga de MUKAMBU...

...mandume do quilombo!

...é ginga de quem não teve escolha: a não ser lutar!

Por isso, não deboche não...

...nosso punho cerrado

...preto e branco das almas

...novembro azul!?!?!?!

Mãe Preta na Restinga

à bailarina MARIELLY,

PRESENTE!!

A gente vem mostrando resultado! E o "belas", é para acalmar o colonizador,

que (se) adora ver nas

nossas postagens!

Pois a gente reafirma que "pretos e

pretas estão se amando",

num tenso e lindo reencontro ancestral.

E talvez tudo que tenha trazido até aqui,

para alguns, não faça sentido...

ainda que se estejam vivendo

dias sombrios e incertos.

Algumas vidas, as pp's ( pretas, pobres e periféricas) continuam não sendo poupadas!

Porque a verdade é que a cada 23 minutos,

um corpo preto é assassinado aqui, ali...acolá Entre a Cábula, Baixada Fluminense e o Passo D'Areia, o racismo e a violência, inclusive de quem deveria proteger, sempre encontram nossos corpos.

Meirelles, Betos, Miguels, João Pedros,

Ágathas, Emillys e Rebecas...os nossos vão

embora todos os dias...

...e nem sei se aí final dessa escrita, ainda estarei aqui para comemorar.

Pois se pedimos licença para entrar,

Eles, sem cerimônia nenhuma, retiram-nos

de qualquer lugar.