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REPORTAGEM

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Como podemos recriar a escola pós-pandemia: Programa que deu certo

Retiramos os muros, abrimos diálogo, uma escuta ativa com a comunidade para construirmos um lugar que acolhesse - Reprodução/Facebook
Retiramos os muros, abrimos diálogo, uma escuta ativa com a comunidade para construirmos um lugar que acolhesse Imagem: Reprodução/Facebook
Êda Luiz

06/12/2020 04h00

A vida é feita de idas e vindas, talvez para que possamos viver os desafios, as alegrias, os medos, os erros com novos olhares.

Na década de 1990 vivíamos uma crise na educação de jovens e adultos, ou melhor, o maior número de abandono. Quase 65% dos jovens e adultos da cidade de São Paulo não completavam o Ensino Básico. Para tentar resolver essa crise surgiu o Centro Municipal de Ensino Supletivo (CEMES). Um curso apostilado, com eliminação de matérias e ensino a distância.

Ao final de dois anos percebemos que esse modelo não apresentava melhoras nas desistências. A partir de muito estudo, pesquisa e consulta a Lei de Diretrizes Básicas para Educação - LDB, surgiu outra proposta, a do Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos - CIEJA, no Capão Redondo, periferia da zona sul de São Paulo. Na época, o lugar era considerado um dos bairros mais violentos do mundo, segundo a ONU.

Como estávamos em um lugar novo, com muitas referências de evasão e violência nas escolas, resolvemos que, para atrair os estudantes, precisávamos mudar as estratégias. Então, nós abrimos os portões, que seguem abertos até hoje. Retiramos os muros, abrimos diálogo, uma escuta ativa com a comunidade para construirmos um lugar que acolhesse, que garantisse os direitos, e que todas e todos aprendessem.

Esse foi o grande diferencial dessa proposta pedagógica, pois os problemas apareceram no decorrer do processo de forma conexa com os envolvidos e suas mediatizações ambientais e sociais. Mas foi criando uma rede de proteção, de enfrentamento à discriminação, ao racismo, ao preconceito, a violência, possibilitando o empoderamento para que os jovens de lá vivessem seus cotidianos de maneira autônoma e cidadã.

Nós sabemos que trabalhamos com e na diversidade que se constituem nas diferenças, que distinguem os sujeitos uns dos outros. E como um espaço de relações intergeracionais de diálogos entre saberes, de compreensão e de reconhecimento da experiência e sabedoria, tensionadas pela cultura dos jovens e adultos, as ações pedagógicas precisam mediar esses conflitos, sensibilizando os envolvidos sob o fato que o conhecimento vai proporcionar um leque de oportunidades para o crescimento intelectual e profissional para cada um.

Conhecer e reconhecer os agentes sociais e a comunidade em que a escola está inserida, mapeando não só os problemas e as necessidades, mas também, suas potencialidades e possíveis parceiros para uma agenda coletiva, trabalhamos questões que são debatidas, eleitas em assembleias.

Alguns dos temas foram a desigualdade social, a consciência ambiental, respeito, valores sociais, entre outras temáticas, sempre partindo das atividades planejadas conjuntamente para que o estudante possa construir seu conhecimento a partir de sua leitura de mundo, não apenas enxergando o mundo da escola para fora, mas também enxergando a escola do mundo, no mundo, e todas as relações possíveis e ou passíveis de acontecer.

A equipe de educadores conscientes que seu trabalho exige uma práxis pedagógica diferenciada, onde cabe invariavelmente um olhar interdisciplinar, interpessoal, uma visão dinâmica de aprendizagem, cujo pleno conhecimento advém de sua permeabilidade, de um currículo flexível.

É necessário que o educador acredite na perspectiva dialógica e humanista, enquanto direito fundamental e instrumento para melhoria de qualidade de vida. O Projeto Político Pedagógico - PPP, está sustentado nas interações e práticas voltadas para o convívio social e exercício da cidadania, uma educação com desafios reais e todo conceito teórico é acompanhado da aplicação prática.

Os estudantes são convidados o tempo inteiro a uma atitude ativa no seu processo de aprendizagem, sendo agentes críticos de sua própria formação. Para isso nós utilizamos metodologia diferenciada, um currículo flexível, mapas conceituais, um planejamento semanal, atividades permanentes, projetos na comunidade, projetos pessoais, ações de intervenção nas dificuldades, entre outras.

Com esse e outros programas conseguimos mudar os números no mapa de exclusão, contribuir para uma transformação na comunidade do Capão Redondo e orgulhosamente dizer que a escola pública pode ser um espaço mais democrático e de mudanças para o futuro.