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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que desigualdade, clima e direitos humanos têm a ver com pós-covid?

Clara Caldeira e Raquel Rosenberg

05/07/2020 04h00

Mesmo antes da pandemia desencadeada pelo novo coronavírus, a desigualdade global (e brasileira) já atingia níveis recordes: os 2.153 bilionários do mundo concentravam mais riqueza do que cerca de 60% da população mundial. A América Latina que hoje, ao lado do Caribe, já supera a Europa em número de infectados pela Covid-19, já era apontada, em dezembro do ano passado, como a região do mundo com a maior desigualdade de renda, de acordo com relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Muitos têm repetido que o mundo não será o mesmo após a pandemia provocada pelo novo coronavírus. Não será. Mas poderá ser ainda pior. De acordo com dados publicados pelo Ministério da Saúde, pretos e pardos representam quase 1 em cada 4 brasileiros hospitalizados com Síndrome Respiratória Aguda Grave (23,1%) e chegam a 1 em cada 3 entre os mortos por Covid-19 (32,8%). Enquanto esta coluna é escrita, já são mais de 60 mil mortes no Brasil.

Com poucos dias de quarentena, o Rio de Janeiro, um dos primeiros estados a adotar o isolamento no combate à pandemia, já registrava um aumento de 50% nos casos de violência contra a mulher. Para as populações indígenas, o cenário é ainda mais preocupante. Um estudo liderado pela demógrafa Marta Azevedo, da Unicamp, publicado no final de abril, apontou que 81 mil indígenas estão em situação crítica.

Outro levantamento conduzido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Instituto Socioambiental (ISA), identificou os yanomami como "o povo mais vulnerável à pandemia de toda a Amazônia brasileira". A presença de mais de 20 mil garimpeiros na Terra Indígena durante a pandemia e a fragilidade da assistência de saúde no território desenham a iminência de um genocídio.

Até 40% dos indígenas que moram perto das minas ilegais podem ser infectados. Com isso, o grupo poderia perder até 6,5% dos seus integrantes, tornando-se uma das populações mais impactadas pela Covid-19 no mundo. São os invasores de terras que estão causando o extermínio das populações tradicionais.

O racismo estrutural, a desigualdade de gênero e de espécie são pandemias dentro da pandemia, que antecedem o coronavírus e se acentuam em seu contexto. O movimento #LiberteoFuturo surge para se contrapor a essa realidade. Para negar a volta a uma normalidade, que corrompe a natureza e condena bilhões à pobreza e à exaustão de seus corpos.

Trata-se de um movimento sem autoria e sem captura. Um movimento de humanos que são mais que humanos. São rios e são ruas, imaginação e realidade em rede e em roda.

Uma mobilização para impedir que a Amazônia, cada vez mais perto do ponto de não retorno, siga sendo destruída. Sem controlar o desmatamento na Amazônia, não há como controlar o superaquecimento global, por isso, esse não é um problema do Brasil - é um problema do planeta!

O #LiberteoFuturo convida a todas e todos a usar a suspensão das atividades econômicas imposta pelo vírus para voltar a imaginar um futuro onde possamos e queiramos viver. Estamos em isolamento físico, mas não em isolamento social. As ideias precisam circular. Imaginar o futuro já é começar a criá-lo.

Para abrir a discussão, no domingo (5), das 18h às 20h, será realizada uma manifestação online através do www.manifao.org. A plataforma possibilita a simulação de uma manifestação de rua online, com conversas ao vivo, abertas a diferentes falas, compartilhamento de fotos e cartazes, performances e exibição de projeções por vídeo.

Clara Caldeira e Raquel Rosenberg fazem parte do movimento #LiberteoFuturo. Para saber mais acesse as redes do movimento.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.