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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que podemos fazer pelo futuro da comunidade LGBTI+ no Brasil

Leonardo Vieira de Oliveira

28/06/2020 04h00

Em 2016, um casal gay era expulso de um restaurante em Fortaleza por estar de mãos dadas, ainda que, desde 1998, a cidade tivesse uma lei que previa multa a estabelecimentos que discriminassem pessoas em razão da sua orientação sexual. A indignação com aquela injustiça fez alguns jovens se perguntarem: "e se todas as pessoas LGBTI+ do Brasil tivessem acesso à legislação para se defender?"

Essa pergunta deu vida ao TODXS App, aplicativo que reúne leis antidiscriminação e espaço para denunciar LGBTIfobia. Naquele ano, eu era estudante de Direito e fazia parte de uma geração de pessoas negras que foram as primeiras em suas famílias a conquistar espaço nas universidades. Me juntei à TODXS na esperança de compartilhar as oportunidades a que tive acesso e abraçar o propósito de transformar o Brasil em um país verdadeiramente inclusivo e livre da discriminação. O futuro parecia promissor.

Crescemos e nos tornamos uma ONG com mais de 100 pessoas voluntárias de todas as regiões do Brasil, decididas a fazer parte da construção de uma sociedade onde a invisibilidade, desigualdade e violência que afetam a população LGBTI+ fossem extintas.

Em 2020 lançaremos a primeira Pesquisa Nacional por Amostragem da população LGBTI+, construída a partir de 36 mil respondentes de todos os estados, e queremos compartilhar nossa visão sobre os principais desafios que enfrentaremos nos próximos anos.

Garantir a segurança da população LGBTI+

Descobrimos que 64% das pessoas LGBTI+ brasileiras se sentiram discriminadas em razão da sua orientação sexual nos últimos 12 meses, ao passo que quase 50% delas já sentiram sua vida ameaçada. Vivemos em um país que impõe desafios diários a nossa segurança, onde 70% afirmam ter sofrido algum tipo de agressão verbal e 15% relataram agressões físicas. O governo é responsável por garantir o combate à violência que atinge especificamente pessoas LGBTI+, e nós, como sociedade civil, precisamos aumentar a integração entre profissionais e organizações para o acolhimento dessa população.

Alavancar iniciativas de inclusão fora do eixo Sul-Sudeste

Quase 50% da população LGBTI+ brasileira vive nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, sendo o Nordeste a segunda região com maior número de pessoas que se identificam com alguma letra da sigla do movimento - depois do Sudeste. No entanto, os recursos financeiros mobilizados para a causa ainda se concentram no eixo Sul-Sudeste. É nosso desafio como movimento garantir que organizações e líderes LGBTI+ de todos os estados terão acesso à recursos que permitam a manutenção e crescimento das suas atividades.

Melhorar a compreensão sobre pessoas LGBTI+ por meio de dados

Em 1982, o Grupo Gay da Bahia publicou o primeiro boletim de pessoas LGBTI+ que haviam sido assassinadas naquele ano, dando início a um dos primeiros esforços nacionais para dar visibilidade à situação da comunidade. Quase 40 anos depois, institutos oficiais, como o IBGE, ainda não incluem pessoas LGBTI+ em seus mapeamentos. Se quisermos mobilizar os setores público e privado para ações que, de fato, atendam às necessidades da nossa população, é necessário que mais pesquisas ajudem a lançar luz sobre quem somos, onde estamos e como vivemos.

Abraçar a interseccionalidade como bússola para a inclusão

Você sabia que 17% da população LGBTI+ indígena é composta por pessoas trans e 66% das pessoas LGBTI+ negras estudaram todo o ensino básico em escolas públicas? Estes foram alguns dos aprendizados recentes da nossa última pesquisa, que olhou não somente para orientação sexual e identidade de gênero, mas também para aspectos como perfil sociodemográfico, raça/etnia e pessoas com deficiência. Cada vez mais, nas ações que realizamos e nos dados que produzimos, fica evidente que a inclusão de pessoas LGBTI+ precisa ser sensível às interseccionalidades. Não há possibilidade de um Brasil inclusivo, sem que ele seja pensado para todas as possibilidades de existência que o habitam.

Os próximos anos de nossa comunidade pode ser resultado das ações que decidimos priorizar agora. Nosso papel como movimento social é duplo: nos fortalecer para atravessar o momento presente e sonhar conjuntamente com um futuro inclusivo.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.