Topo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Emergência climática: seus netos talvez não possam fazer o que você faz

Ativista ambiental com máscara em ato em Buenos Aires em 2019 - Ronaldo Schemidt/AFP
Ativista ambiental com máscara em ato em Buenos Aires em 2019 Imagem: Ronaldo Schemidt/AFP
Clodoaldo Cajado

29/04/2020 04h00

Imaginemos que hoje, aos 35 anos, você tenha um filho — segundo dados do IBGE, de 2008 a 2018, o número de mulheres que têm filhos na faixa de 35 a 39 anos cresceu 56%. Estes irão chegar na fase adulta em 2040 e, se esperarem os mesmos 35 anos, lhes darão netos a partir de 2055. Guarde esta data, mas não se desespere.

Arte para coluna de Clodoaldo Cajado - Clodoaldo Cajado - Clodoaldo Cajado
Além de grandes extensões de terra, Brasil possui variedade de climas: equatorial, tropical úmido, tropical seco, marítimo e subtropical úmido
Imagem: Clodoaldo Cajado
As mudanças climáticas são eventos na natureza que desobedecem médias históricas que caracterizaram a ciência do clima. Max Sorre, geógrafo francês criador do conceito de habitat, diz que o clima é "o ambiente atmosférico constituído pela série de estados da atmosfera, em determinado lugar, em sua sucessão habitual". Com essa ideia associada mais tarde à teoria de geossistema, foi possível que autoridades e cientistas determinassem quais áreas no planeta poderiam, por exemplo, ser cultivadas em larga escala, ou quais plantas e florestas poderiam ser cultivadas em países diferentes, graças às semelhanças de suas regiões climáticas. É por isso que o Brasil é considerado celeiro do mundo: além de grandes extensões de terra, possui os climas -- equatorial, tropical úmido, tropical seco, marítimo e subtropical úmido.

A maioria das frutas, verduras e hortaliças que conhecemos não são do Brasil, mas — não à toa — aqui elas crescem e produzem muito mais: o regime climatológico é favorável, com chuvas regulares, quantidade de horas de sol, solos variados, ausência de furacões e terremotos. O que estava embutido na teoria ecossistêmica, no entanto, é que esse mesmo potencial ecológico que inclui o clima, favorece a exploração biológica pela ação antropológica, e o excesso desta ação, por via de mão dupla, altera a superfície da terra (vegetação, solo e fauna), alterando, ao longo do tempo, também o seu potencial ecológico. No caso específico, clima e hidrologia.

Imagem para coluna de Clodoaldo Cajado - Clodoaldo Cajado - Clodoaldo Cajado
Ação do homem altera potencial ecológico
Imagem: Clodoaldo Cajado
Entenda-se hidrologia por chuvas e rios. A retirada de grandes extensões de matas para a produção de proteína animal e das commodities que hoje são principalmente a soja, o café, algodão, trigo, a madeira (celulose e borracha) e o algodão, afetam a formação de chuvas, cenário que não contribui para a recarga dos lençóis freáticos, diminuindo o número de nascentes, além de aumentar as temperaturas e promover a degradação de solos.

Quem lembra que São Paulo era chamada de "terra da garoa"? A maioria das capitais foi construída sobre a mata atlântica que ficava sob clima marítimo, e hoje só há 7% de sua área original. Para além das chuvas excessivas vistas recentemente, uma das alterações climáticas em São Paulo é a queda da umidade do ar. Em 18 de setembro de 2019, a umidade relativa atingiu 19%. Se voltarmos a 2005, enquanto relatório do Infoclima anunciava umidade abaixo de 50% para São Paulo, estudo de Monteiro & Azevedo, da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo), mostrava que, no fragmento de mata atlântica original do Parque da Previdência, no Butantã, a umidade relativa mais baixa foi 65%, às 14h. No mesmo horário o outro fragmento em estudo, em mata fechada, apresentou umidade de 70%.

A umidade baixa, evento que observávamos em Brasília por ser construída no bioma do cerrado e em clima equatorial úmido, agora já acontece em São Paulo, onde o bioma era de mata atlântica de planalto. Como a alteração da vegetação nas duas regiões pela urbanidade foi intensa, é fácil entender que a redução e concentração das chuvas e a umidade relativa baixa estão ligadas a esta ação antrópica e ao aquecimento global.

Por que falamos de emergência climática? Temos dez anos para tentar mudar este cenário, e a declaração de emergência climática é uma medida adotada por diversas entidades, cidades e universidades como resposta à mudança do clima. O estado de emergência reconhece a extrema gravidade da ameaça representada pelo aquecimento global e envolve a adoção de medidas para conseguir reduzir as emissões de carbono fóssil, trocar rapidamente por energias renováveis e limpas, expandir as redes de recarga de veículos elétricos, a reciclagem de lixo, a compostagem de orgânicos de casas e de feiras, o plantio maciço na malha urbana e criação de mais áreas verdes.

Ativistas alertam emergência climática em Buenos Aires em 2019 - Ronaldo Schemidt/AFP - Ronaldo Schemidt/AFP
Ativistas alertam emergência climática em Buenos Aires em 2019
Imagem: Ronaldo Schemidt/AFP

As previsões do IPCC (Painel Internacional Sobre Mudanças climáticas) mostram um possível aumento de 1,5°C na temperatura média do planeta desde o período pré-industrial (1850), porém se ultrapassar os 2°C, provavelmente as terras férteis se transformarão em desertos, um vasto número de espécies será extinto, os ecossistemas serão degradados, o clima se tornará mais instável gerando ondas de calor e picos de frio extremo, as calotas polares derreterão e o nível do mar subirá, desalojando centenas de milhões de pessoas.

Segundo o acordo de Paris de 2015, o mundo ruma para um aquecimento de 4°C até 2100, ano em que seus netos terão 45 anos de idade e terão ouvido de seus avós: "como era boa a vida em 2020". Em maio de 2019, o parlamento britânico foi o primeiro do mundo a declarar emergência climática.

Área verde em São Paulo: o parque dos Búfalos, às margens da represa Billings, na zona sul - Amanda Perobelli/UOL - Amanda Perobelli/UOL
Área verde em São Paulo: o parque dos Búfalos, às margens da represa Billings, na zona sul
Imagem: Amanda Perobelli/UOL

O que é possível fazer? Escolher políticos que entendam de problemas socioambientais, em vez de bons marqueteiros, e aprovar a emergência climática. Buscar políticas públicas que respeitem realmente o meio ambiente e paguem por serviços ambientais, políticas de retorno de IPTU e incentivos para casas, comunidades e condomínios que assumam telhados verdes, fossas ecológicas, coleta de água de chuva, adoção de praças e energia solar. Que a reciclagem possa gerar empregos em vez de dar lucros para consórcios, e que tratem dos esgotos em vez de cobrar e depois despejá-los nos rios da cidade.

Feiras de orgânicos na zona oeste - Keiny Andrade/FolhaPress - Keiny Andrade/FolhaPress
Feira de orgânicos na zona oeste
Imagem: Keiny Andrade/FolhaPress

É possível mudar a alimentação comprando produtos sem agrotóxicos, se possível banindo-os. Diminuir o impacto da exploração de proteína animal mudando a dieta, introduzir plantas medicinais nos hábitos para evitar doenças e remédios químicos, ter maior frequência de atividades físicas, comprar o necessário e de cadeias sustentáveis de médios e pequenos produtores, preocupar-se com o consumo fútil e não consumir muita energia nem desperdiçar água. Aumentar o quanto antes as áreas verdes dos espaços urbanos e dos lares — a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana sugeriu, em 1996, 15 m2 por habitante, enquanto a média em São Paulo é de 4 m2 por pessoa.

A emergência de saúde pública observada na pandemia da Covid-19 já está mostrando ao mundo os danos de focar as decisões políticas apenas no mercado e na atual produção e consumo da econômica global. Podemos sim direcionar a sociedade para uma mudança gradual ao desenvolvimento sustentável, uma melhor distribuição de renda e uma regeneração dos ecossistemas, sob pena de sermos lembrados por nossos netos por sermos egoístas e covardes.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Errata: este conteúdo foi atualizado
O texto original informava recomendação atribuída à OMS de 12 m2 de área verde por cidadão, mas não há estudo da entidade que indique este índice para todo o mundo. A informação foi retirada, e o texto contextualizado com índice da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL