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Notícias da Floresta

REPORTAGEM

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#LutoIndígena2: Indígenas "urbanos" ainda não foram vacinados

Bolsonaro sem máscara em meio aos indígenas na inauguração da ponte Rodrigo e Cibele, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.  - Marcos Corrêa/PR.
Bolsonaro sem máscara em meio aos indígenas na inauguração da ponte Rodrigo e Cibele, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Imagem: Marcos Corrêa/PR.

25/06/2021 06h00

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A maioria dos indígenas do Xingu já foi vacinada: 84% da população com mais de 18 anos já recebeu as duas doses. Mas quem fica entre a aldeia e a cidade ainda não foi vacinado, outra briga recorrente com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, que excluiu da vacinação os indígenas considerados "urbanos". Esta divisão entre "urbanos" e "aldeados" resultou em altíssima subnotificação de casos e mortes - cerca de 50% abaixo da realidade - e, claro, menos vacinas.

Esse foi exatamente o caso da mãe de Watatakalu, Iamony Mehinako. Ela tomou apenas a primeira dose da vacina e foi excluída da segunda dose porque não vivia mais dentro do Parque do Xingu. A pajé morreu de Covid-19 aos 59 anos em uma UTI de um hospital em Querência (MT).

Essa negligência da política pública ignora a realidade indígena e ignora a autonomia de cada povo. No Xingu, como em outras regiões, os indígenas vivem entre as cidades próximas e as aldeias, e não fixos em apenas um lugar.

É o caso de Iamony Mehinako, que passou a primeira parte do isolamento da pandemia em sua aldeia. Com a entrada do vírus no Xingu, seus filhos optaram por levá-la para a casa da família na cidade, já que ela era portadora de doenças crônicas.

"Minha mãe foi arrancada de nós por essa doença chamada Covid 19. Se hoje meus filhos falam a língua Yawalapiti, é porque você conduziu isso. Minha mãe virou história como seus irmãos disseram, virou nossa guardiã! Virou nossa estrela!", escreveu Watatakalu no Facebook.

A disputa sobre a vacinação entre "urbanos e aldeados" e a atuação da administração Bolsonaro na pandemia foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil exigindo que o plano do governo federal mude. Cerca de 36% dos indígenas brasileiros vivem nas cidades. De acordo com Valéria Paye, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), essa omissão do governo é proposital. "É uma tentativa de negar a própria identidade indígena, fruto do preconceito estrutural. O que acaba sendo utilizado para negar o direito de acesso às vacinas e aos serviços de saúde", afirma.

De acordo com o censo de 2010, o último divulgado pelo IBGE, os municípios com maior número de indígenas residentes em áreas urbanas são, em ordem decrescente: São Paulo (SP), São Gabriel da Cachoeira (AM), Salvador (BA), Rio de Janeiro (RJ), Boa Vista (RR) e Brasília (DF). Apenas São Gabriel da Cachoeira e Boa Vista estão localizadas na Amazônia.

Além da negligência da Sesai, que, segundo Watatakalu, prestou apoio somente de profissionais de saúde regulares no Xingu, o grande apoio mesmo veio de parceiros como ONGs e entidades indígenas. A Funai se limitou a distribuir cestas básicas. "A Funai é a mais ausente nas nossas vidas", critica.

Procurada, a Funai se eximiu de qualquer articulação com a Sesai em relação aos atendimentos de saúde e o suporte oferecido ou não. Sobre a atuação durante a pandemia, de acordo com a Fundação Nacional do Índio, a instituição distribuiu quase 650 mil cestas básicas entregues a mais de 200 mil famílias indígenas em todo o país.

A Funai também alega ter investido cerca de R$ 17,2 milhões em ações de fiscalização em Terras Indígenas de todo o Brasil. Desde janeiro de 2020, a Fundação apoiou cerca de 1.200 ações de proteção territorial em 351 TIs. Mais de 500 ações foram voltadas ao enfrentamento da pandemia, diz a Funai.

Além disso, a Funai apoiou a instalação de mais de 300 barreiras sanitárias e postos de controle de acesso em todo o território nacional e suspendeu, ainda em março de 2020, as autorizações para ingresso em TIs, com exceção dos serviços essenciais. Por fim, a Funai alega ter desembolsado cerca de R$ 30 milhões em ações que "visam a autossuficiência das comunidades", como a aquisição de materiais de pesca, sementes, mudas, insumos, ferramentas e maquinários agrícolas.

(Por Mauricio Angelo )

Esta reportagem foi financiada pelo COVID-19 Emergency Fund for Journalists, da National Geographic Society e faz parte da série #LutoIndígena publicada em seis partes na coluna Notícias da Floresta.

Notícias da Floresta é uma coluna que traz reportagens sobre sustentabilidade e meio ambiente produzidas pela agência de notícias Mongabay, publicadas semanalmente em Ecoa. Esta reportagem foi originalmente publicada no site da Mongabay Brasil.