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Noah Scheffel

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Você sabe o que são ações afirmativas?

Mulher trans e pessoa não-binária trabalhando - Igor Alecsander/Getty Images
Mulher trans e pessoa não-binária trabalhando Imagem: Igor Alecsander/Getty Images

16/08/2021 06h00

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Há quem diga que ações afirmativas são segregadoras, são separatistas e até mesmo que são "preconceito reverso".

Ações afirmativas são medidas reparatórias, que têm o objetivo de colocar as pessoas com as mesmas possibilidades de oportunidade. Alguns exemplos de ações afirmativas são programas de empregabilidade focados em contratação de pessoas negras, cotas pra pessoas com deficiência dentro de empresas, porcentagem de vagas em cursos e faculdades para pessoas trans.

Veja, se a meta é a igualdade de oportunidades para todas as pessoas, é porque essa igualdade ainda não existe.

E você sabe por que essa igualdade de oportunidades para todas as pessoas ainda não existe? Por causa do chamado preconceito estrutural. Esse, é o preconceito que a sociedade carrega em sua estrutura, com um status de normalidade. Muitas pessoas podem não notar, mas acabam reforçando essa estrutura preconceituosa quando não se posicionam contra o racismo, o capacitismo, a lgbtfobia, e tantos outros preconceitos com pessoas que não estão no "padrão de normalidade" que a sociedade possui.

E por esse motivo que não existe preconceito reverso. O que é tido como padrão sempre exerceu um poder, mesmo que inconscientemente, sobre as pessoas que não fazem parte desse grupo. Ou seja, a pessoa branca exerce poder sobre a pessoa negra. O homem exerce poder sobre a mulher. O heterossexual exerce poder sobre o homossexual. Queira ele, ou não, ele usufrui deste poder que estruturalmente o coloca em posições de vantagem na sociedade em que vivemos.

Esse exercício de poder não existe na contramão na sociedade brasileira: homens brancos, heterossexuais, cisgêneros e sem deficiência, não passaram, historicamente, por processos de submissão. Por isso não existe esse tal preconceito reverso. Ele só existe quando é exercido poder de um grupo sobre outro, de forma estrutural e histórica em nossa sociedade.

O primeiro passo para entender que ações afirmativas são necessárias, é entender esse nível de privilégio que coloca certos grupos em posições de vantagem sobre outros. E mesmo que você não tome nenhuma ação intencional para subjugar alguém, você usufrui do caminho que foi asfaltado para você, enquanto outras pessoas possuem ainda obstáculos oriundos de anos e anos de processos onde não havia caminho nenhum.

Aquelas frases que são comumente usadas para ir contra ações afirmativas, como "somos todos humanos", "temos que levar em consideração o desempenho da pessoa e não a cor da pele", "isso quer dizer que as pessoas não são capazes", são frases carregadas de desconhecimento e preconceito.

Para essas pessoas, que ainda acham que ações afirmativas não são necessárias e que "somos todos iguais", eu faço um pedido: em sua próxima reunião no trabalho, aula na faculdade, ou grupo de amigos, olhe ao seu redor. Se você estiver de forma remota, peça que as pessoas abram as suas câmeras e façam uma autodescrição, mas comece você se autodescrevendo. Veja se você consegue identificar através das lentes da igualdade quantas pessoas negras, quantas pessoas LGBTQIA+, quantas pessoas com deficiência, quantas mulheres e outros grupos que ações afirmativas focam, estão no mesmo lugar que você.

E se você pensar que essa ausência de diferentes pessoas, que obviamente você vai perceber, está ligada "à falta de esforço", eu gostaria que você voltasse ao capítulo que falo sobre preconceitos estruturais e tentasse entender que ele está agindo, neste momento, nesse seu pensamento. E aqui, talvez até inconscientemente, nesse seu pensamento, você está exercendo o seu poder enquanto indivíduo com privilégios na sociedade.

Você tem a possibilidade de entender que ações afirmativas não estão privilegiando determinados grupos frente a outros, e sim proporcionando as mesmas oportunidades para todos os grupos. Isso te prejudica de que maneira?

Não deixe que o preconceito estrutural te impeça de entender esses mecanismos de acessos, e passe a defender essas ações. Você já percebeu que elas não te prejudicam de nenhuma forma. Afinal, você, mesmo sem querer, usufrui do privilégio de estar onde está por causa de pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades. Então, a responsabilidade para que todas as pessoas cheguem à igualdade, é sua também.