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Noah Scheffel

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que a gente não vê por trás das câmeras do home office

O que a gente não vê por trás das câmeras do home office - Oleksandra Bezverkha/Getty Images/iStockphoto
O que a gente não vê por trás das câmeras do home office Imagem: Oleksandra Bezverkha/Getty Images/iStockphoto

31/05/2021 06h00

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É oficial: a transformação digital engavetada para muitas organizações pelo medo da perda do controle, teve a sua chance de mostrar que na necessidade, dá se um jeito.

E por mais que muitas coisas tentem voltar a ser como já foram, nada vai ser igual. Infelizmente o preço dessa transformação custou, e continua custando, muitas vidas.
Já faz tanto tempo que é seguro dizer que o home office veio no meio da crise por uma questão de sobrevivência organizacional, e que independente da crise, ele vai ficar. De uma hora para outra as empresas que ainda tinham enraizadas uma mentalidade comando-controle tiveram de desapegar dessa mentalidade e confiar em quem contrataram - olha que interessante - para que essas pessoas pudessem continuar trabalhando e a empresa não viesse a falir. Quem não teve a opção de passar por uma transformação digital para salvar o seu negócio, não teve a mesma sorte: é só andarmos pelos lugares que costumávamos frequentar para ver que muita coisa não existe mais, simplesmente sumiu.

E nesse abre e fecha câmera, tem muita coisa que ninguém está vendo.

É curioso nesse mesmo período um jogo, que se baseia em cuidar da vida alheia através de câmeras, teve um número expressivo de audiência e campanhas gigantes de marcas e personalidades, mas mesmo depois do seu fim, a gente não parou para imaginar o que pode estar acontecendo nas casas "não mais vigiadas do país", nem que o nosso papel organizacional seja esse, também.

As pessoas trabalhando em home office estão esgotadas, escondendo suas crises de ansiedade a cada entrada de reunião, ignorando sintomas de burnout por medo de perderem seus empregos, com hora para começar a trabalhar, e sem noção do tempo, e nem da sua gestão, para poderem parar. Entre uma reunião encostada na outra a vida vai passando, as demais responsabilidades gritando por atenção, sejam os filhos pedindo almoço, a marcação da psicóloga que ficou só como um lembrete na agenda, ou o conserto adiado do vazamento da pia, que pinga num fluxo cada vez mais frequente. Tão frequente quanto a falta de empatia das organizações para com as vidas que acontecem por trás das câmeras. Dessas vidas, no caso.

Como o óbvio também precisa ser dito, com certeza o desemprego é desesperador para aqueles que estão nessa situação. Mas essa não é uma competição de sofreres. E apesar de muitas pessoas gostarem de jogos, há muito tempo demos risada quando ouvimos dizer que "vai todo mundo perder". Ora, ora.
As empresas tiraram da gaveta uma forma de sustento, enquanto gavetas de corpos são enterradas, e outras são preenchidas com medicamentos para que outros corpos se sustentem produzindo.

O que estamos esperando para desengavetarmos também a humanização? Ela deve estar perto dos arquivos de responsabilidade social e saúde mental, ou ao lado do manifesto de cultura que diz que sua empresa "se importa com gente".

Ajustem suas lentes para focarmos no que realmente importa, que são as pessoas e como elas estão. A sua transformação digital e a produtividade que você tanto busca só foram e são possíveis por causa delas. E mesmo que você substitua pessoas, você vai continuar não sabendo o que acontece na vida delas quando desliga aquela vídeo chamada.

Quantas pessoas precisamos perder para nos questionarmos se não estamos nos importando com as câmeras erradas?