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M.M. Izidoro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

As promessas quebradas de um futuro perdido

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Imagem: iStock

M.M. Izidoro

28/08/2021 06h00

Quando eu era criança, eu ficava imaginando o futuro.

Tendo nascido bem no meio da década de 1980, isso não era difícil pois a ideia do futuro e do novo século estava ali, e dava quase para tocar.

Tinha filme, história em quadrinhos, séries de televisão e videogames mostrando que o futuro ia ter navezinha voando, teletransporte e colonização de outros planetas. Mas que ele também ia ser horrível.

Uma coisa que me marcou muito quando eu estava crescendo e consumindo esse conteúdo, é que o futuro era escuro e poluído. A gente ia viver sempre triste e sem os recursos naturais. Ia estar sempre chovendo nas cidades, mas o neon ia trazer um pouco de cor para o cinza das nossas vidas. A guerra de classes ia ser inevitável, e poucas pessoas iam ter uma vida ótima ao custo da pobreza para bilhões de outras pessoas.

Esse era o futuro que os "boomers" — aqueles nascidos nos anos 1940 e 1960 — imaginavam para a gente. Foi esse futuro criado pela mente de pessoas que viveram a violência e escassez da reconstrução pós guerra mundial, a violência com os corpos jovens dos soldados americanos nas guerras da Coreia e do Vietnã, o fantasma da Guerra Fria e a ameaça atômica.

Quando você cresce na escassez, é difícil sonhar que você pode ter a fartura.

Nos prometeram que se trabalhássemos duro. Que se a gente doasse os melhores anos da nossa vida para o deus capital. Se a gente quisesse muito, a gente poderia ter tudo que a gente desejasse.

E foi assim que nossos sonhos foram moldados para prender a gente no trabalho e na produtividade a qualquer custo para nos proteger desse futuro. Mas ao fazer isso, a gente está só ajudando a construí-lo.

Nos prometeram um futuro distópico, e a gente não sabia que quem estava construindo esse futuro eram nossas próprias mãos.

Nos prometeram um futuro que já estava perdido, e mesmo assim quebraram todas as promessas que nos tinham feito.

A gente trabalhou. A gente deu o suor. A gente ousou seguir o curso por mais errado que ele estava. E mesmo assim deixaram a gente para trás.

Esse era o nosso momento de termos o carro, a casa, o casamento. Ir pro resort com as crianças. Ter o video game do ano e o tênis do rapper. Fazer churrasco todo final de semana, só com carne de primeira. Abrir aquela champanhe para comemorar a promoção na firma e a formatura das crianças na escola. Logo mais ia ter carro voador. Realidade virtual e férias em Marte. O barato ia ser loco e nem um pouco lento.

Mas não, não vai ser agora que vamos ter isso. A Terra está literalmente pegando fogo. A economia está em frangalhos. A pandemia não vai acabar tão cedo. O caos social reina.

Tudo na nossa vez.

Não tem como a gente globalmente não estar puto agora. Agora era a nossa vez. A gente ia ter tudo que nos prometeram. O mundo era nosso.

Eu já me senti traído assim. Mais de uma vez.

Mas uma coisa aconteceu comigo.

Ao começar a ter contatos com outras culturas, pessoas e cosmovisões diferentes, eu comecei a entender que esse nosso futuro era apenas um futuro possível, e um que nem era tão bom assim.

Na singularidade das possibilidades, a gente começou a destruir o planeta e nós mesmos, pois essa era a única história que a gente conhecia. Mas hoje, a gente consegue olhar para o lado e ouvir diversas outras vozes que nos contam sobre diversos futuros diferentes.

Nenhuma monocultura é boa. Então por que a gente insiste que a nossa cultura, ideias e sonhos tem de ser todos um só?

Temos as nações indígenas nos mostrando o futuro em comunhão com a Terra. Temos as mulheres mostrando o futuro com respeito aos ciclos. Temos os pretes, os LGBQTIA+ e temos até os capitalistas.

Todos nos mostrando caminhos para futuros possíveis que podemos seguir.

Como a gente não vai ouvir povos que estão vivendo com a Terra a milhares de anos em harmonia e sem destruí-la?

Como a gente não vai ouvir mais da metade da população humana só porque elas são mulheres ou têm a cor da pele mais escura?

Já que a gente está machucado e com raiva de tudo, talvez essa seja a hora de a gente se ajudar a sair dessa em conjunto. Para testar caminhos diferentes e mais gentis para todos nós.

A gente já viu esse filme que a gente está vivendo diversas vezes. Em praticamente nenhum deles, o final não acaba em morte e destruição.

Agora que estamos presos nessa reprise, pode ser a melhor hora de mudarmos o canal e escolhermos esse filme novo onde o mundo não acaba no final.

Eu hoje sonho com outros futuros e tento usar espaços como esse aqui para que você também sonhe, pois já que não temos o que nos foi prometido, que tenhamos o que precisamos.