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M.M. Izidoro

"O que eu acho" não importa

"Nós somos parte das primeiras gerações de humanos hiperconectadas da história" - iStock
"Nós somos parte das primeiras gerações de humanos hiperconectadas da história" Imagem: iStock

M.M. Izidoro

16/01/2021 04h00

Pra quem achava que janeiro ia ser um mês tranquilo depois da doideira que foi 2020, já estamos vendo que não está sendo nada assim.

Ou melhor, você que está aqui no UOL, nos aplicativos de mensagens ou nas redes sociais está vendo. A todo momento. Sem parar. O fim da democracia e do mundo, ao vivo, em tempo real direto na palma da sua mão.

Nós somos parte das primeiras gerações de humanos hiperconectadas da história, não só hiperconectadas com a internet, mas com a informação no geral. Um dia desses, eu li em algum lugar que no auge da época dos jornais, um jornal de domingo com todos seus cadernos e especiais tinha mais informação do que uma pessoa média e escolarizada do século dezenove receberia na vida inteira dela. Então, em um domingo dos anos 1980 a gente tinha mais informação de alguém que vivesse a vida toda nos anos 1800.

Se isso já era assim na época do jornal, imagina agora com a internet.

É quase a diferença de fazer um lanchinho gostoso e se empanturrar num rodízio. Os dois são bons na hora, mas um vai te deixar com azia e queimação por um bom tempo.

Esse fluxo de informação gigante gera um problema: a gente é acostumado a reagir às coisas. Em uma situação que está ao nosso controle, isso é até tranquilo de se fazer. Se seu filho chora te dando a informação que está com fome, você dá comida para ele. Se seu crush te dá a informação que gosta de você, você marca um encontro. Se alguém te conta um babado forte de outra pessoa que você conhece, você fofoca de volta.

Mas e quando é algo grande? Algo que a gente não sabe nada sobre? Algo que a gente nunca estudou ou ouviu falar?

A gente acaba reagindo do mesmo jeito como se fosse algo que a gente conhecesse a fundo.

Eu que estou na internet a minha vida toda, faz uns anos que percebo que isso não está dando certo, e infelizmente, você aí do outro lado da tela deve estar percebendo isso na flor da pele nesses últimos dias também.

Uma coisa que eu percebi na minha adolescência conectada é que os fatos quase sempre não mudavam porque eu achava que eles tinham de ser diferentes ou eu não concordava com eles. Se uma pessoa que eu estivesse interessada não me desse bola, se o outro jogador não devesse fazer a jogada para aniquilar meu time no joguinho online, se aquele item que eu quisesse comprar nos Estados Unidos não estivesse sendo vendido no Brasil. Não tinha nada que eu pudesse fazer contra isso. Eu não podia mudar os sentimentos de uma pessoa por mim, ressuscitar meu personagem naquela jogada ou forçar a Casas Bahia a trazer o videogame de última geração para eu comprar no carnê em 24 vezes. Esses eram fatos e não importava o que eu achava, eles iam continuar sendo os mesmos fatos.

Nesse último ano a gente está vivendo o extremo disso tudo. Já que não adianta a nossa opinião sobre de onde veio a COVID-19, qual o tipo de tratamento é eficaz ou não, se máscaras e distanciamento social funcionam de verdade ou se a minha religião vai me salvar. O fato é que o vírus está pouco se lixando para isso. Ele continua a infectar milhares de pessoas por dia e a matar outras tantas.

Do lado político é a mesma coisa. Vimos nos Estados Unidos, e um pouco aqui no Brasil também, que a violência e o ódio que esses achismos todos geram na rede podem gerar violência e mortes na vida real. Isso ficou muito claro nos protestos do Black Lives Matter no meio do ano passado e principalmente no dia da invasão do Capitólio Americano por algumas pessoas que acharam que a eleição não deveria ter acabado daquele jeito.

Quando a gente não entende que a vida virtual e a vida física acabam sendo uma coisa só, é isso que acontece.

Você não colocaria sua vida e a da sua família em risco entrando em um prédio que você visse e sentisse estar pegando fogo. Então por que com a COVID-19, uma grande parte da população do mundo todo, acaba achando que não vai dar em nada, que é imune e essas coisas aí de usar máscara e distanciamento não funcionam?

Da mesma maneira que o fogo não se importa com aquele prédio e aquelas pessoas presas lá dentro, o vírus não vai se importar se você é rico, pobre, magro, gordo, cristão ou candomblecista. As eleições e pesquisas científicas também vão continuar com os mesmos resultados.

Tudo isso só faz o fogo ficar ainda maior e o que era pra queimar apenas um lugar, acaba queimando um quarteirão, uma cidade e um país inteiro.

Eu já perdi amigos próximos e pessoas queridas para essa doença. Saber que algumas delas morreram implorando por ar em hospitais caros e equipados não vai sair da minha mente nunca. Saber que várias delas morreram em hospitais com médicos exaustos e sem infra estrutura nenhuma, não vai sair do meu coração.

Algumas dessas pessoas achavam muita coisa sobre a pandemia. No fim, elas não tiveram a chance de rever ou reafirmar sua posição. De informar o outro ou se informar melhor. De estar aqui com a gente nesse exato momento. Assim como as pessoas que morreram no Capitólio para defender um presidente que perdeu uma eleição, nunca mais vão conseguir abraçar as suas famílias ou criticar e cobrar o governo novo que vai tomar posse agora.

Assim como dar tempo de fazer a digestão é importante para a gente poder comer mais, com a informação é a mesma coisa. Na época que estamos inundados por ela, precisamos ter ainda mais tempo para escolher qual o melhor tipo de informação que temos a nosso dispor, se vem de uma fonte confiável e se simplesmente não é uma mentira.

Da mesma maneira que a gente não comeria uma comida envenenada, por que fazemos isso com a informação que a gente põe pra dentro? Da mesma maneira que a gente não pilotaria um avião em pleno ar com nossa família dentro com medo de bater um veículo que a gente não sabe pilotar, por que estamos contradizendo cientistas e pesquisadores em algo que eles estudam há anos e também pode nos matar?

A internet é muito nova e ainda estamos entendendo como ela funciona com a gente e a gente funciona com ela. Ela é uma ferramenta com tanta coisa boa, com tanto poder de transformação e com tanta informação que é exatamente como cair no meio do oceano e não saber para que lado nadar. Pode ser gostoso. Pode ser paradisíaco, até. Mas o importante é saber que você está no oceano, que a água é salgada e não dá para beber e ali pode ter tubarões e outros seres marinhos que podem te devorar a qualquer instante.

Que essa época agora nos abra os olhos com tudo isso.

Para quem sair do outro lado desta, que possa sair mais focado e mais esperto. Que possa ser a chance de a gente aprender que, às vezes, uma notícia que você recebe em um grupo é tão realista quanto o herói do filme de ação escalando uma montanha de gelo sem blusa de frio para salvar a mocinha no topo.

Mas se você não quiser focar e ficar esperto, está tudo bem.

A Terra vai continuar rodando, os vírus vão continuar nos matando, os fatos vão continuar sendo os fatos e o que eu acho de tudo isso vai continuar não importando nada.