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M.M. Izidoro

Você é uma pessoa boa

22/08/2020 04h00

Você já parou para pensar que a sociedade moderna foi construída a partir da ideia que a gente é ruim e mal?

Desde como construímos nossas casas, passando pelas políticas públicas e caindo em como somos ressabiados de que aqueles que tem menos que a gente vão nos fazer mal (nem vamos entrar no sistema prisional e forças policiais e militares, que aí a conversa vai pra outro lugar).

Essa ideia que o outro está lá para tirar algo e nos destruir acabou criando uma sociedade individualista e ainda mais cruel do que aquela que a gente tem medo. Podemos apontar muitos dedos de onde isso veio, desde a mídia de massa que entendeu que o medo vende, até às elites políticas e econômicas que não queriam perder seus privilégios e criaram sistemas para garantir que isso nunca iria acontecer.

No fim, viramos pessoas solitárias e medrosas por termos medo de algo que hoje em dia está se descobrindo que é uma mentira.

A ideia que o homem é instintivamente mal, está ai desde que o mundo é mundo. E claro que não podemos ser Polianas de pensar que foi sempre tudo muito bom e que todos os homens vão viver bem e em harmonia. Mas se a nossa espécie hoje domina o planeta Terra, é por que essa narrativa não é certa. A gente é um animal social que só cresceu e se multiplicou por que a gente cuidou um do outro e não por que a gente colocou cerca em volta de nossas caças e deixou ela estragar sem que o resto da tribo pudesse comer.

Eu comecei a perceber isso na pele ainda jovem quando tive a sorte de viajar para vários países e literalmente me perder no meio deles. Fui desde países abastados da Europa, até países dizimados pela fome na África. Mas uma coisa que quase sempre acontecia era que eu era tratado bem e por muitos membros daquelas comunidades. E quanto menos eles tinham, mais eles dividiam comigo.

Recentemente começaram a ser publicadas pesquisas que corroboram com esse ponto de vista, mas, principalmente, elas desmentem a ideia antiga de que em situações extremas o homem vai virar uma fera e vamos viver em um mundo selvagem como no Mad Max.

Durante grande parte do século XX havia a ideia que viraríamos monstros em situações extremas ou de poder, por causa de um experimento social feito na universidade de Stanford nos EUA no começo da década de 1970. Nesse experimento, dois grupos de estudante foram divididos em prisioneiros e guardas. Rapidamente, os estudantes que eram os guardas se transformaram em monstros e começaram a torturar os outros estudantes. A notícia do experimento tomou o mundo e se concluiu que o homem é mal e destrutivo por natureza.

O problema é que agora os arquivos do experimento foram abertos e pesquisadores descobriram que tudo não passava de uma mentira. Os professores que estavam conduzindo o estudo pediram deliberadamente para os estudantes serem cruéis para o experimento virar notícia e eles terem estofo para propor uma mudança no sistema prisional americano.

Ao mesmo tempo, com o advento das redes sociais e ciclo de notícias 24 horas, a gente parece que só vê notícias que vão desgraçar nossa cabeça. Mortes, assassinatos, roubos, guerra. Mas ao mesmo tempo existem as outras histórias e possibilidades que esses sistemas nos trazem como ajudas humanitárias quando alguma tragédia acontece, pessoas doando para uma causa ou para algum desconhecido que precisa, grupos se conectando para ensinar uns aos outros como fazer alguma coisa para melhorar seu estilo de vida.

Nessa #CoronaCrise, muito disso está acontecendo. Se a gente fosse os selvagens que imaginamos ser, já estaríamos na rua se digladiando por comida ou emprego. Não estaríamos em quarentena, usando máscaras e pensando em como não transmitir a doença, não apenas para nós e nossa família, mas para outras pessoas no geral. Como em muitas outras tragédias, a gente está se juntando para pensar em soluções de construção e não de destruição.

Agora, por que não usarmos isso para propor uma política de esperança ao invés de uma política de medo? Pensar em uma reforma do sistema prisional e educacional. Uma renda básica universal para todo mundo ter o mínimo que é preciso. Uma política não apenas dos governos, mas também nossa, que ao invés de grades nas janelas e medo de alguém tirar o que é nosso, nós possamos abrir nossa porta e dividir o que é nosso com quem precisa.

Mesmo que pareça que não, somos pessoas boas. E se a gente lembrar mais disso, o mundo vai ser um lugar bom também.