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M.M. Izidoro

Você já deu uma pirada nessa quarentena?

baona/iStock
Imagem: baona/iStock

02/05/2020 04h00

E pirada aqui não precisa ser dançar sem roupa e ficar recitando Novos Baianos sem parar. Pode ser desde comer e beber mais, não trocar de roupa, não querer sair da cama, não conseguir dormir, ou seja, dar uma saída do prumo.

Muita gente anda me falando que alguma dessas coisas aconteceu com elas e eu quase sempre respondo algo que elas não esperavam, "Que bom!"

Parafraseando qualquer coach ou investidor da bolsa de valores, "onde tem crise, tem oportunidade". O problema é no nosso dia a dia, a gente quase não tem tempo para crise, e assim a gente fica longe das oportunidades.

Menos de dois meses atrás, todo mundo estava na correria do dia a dia. Era cuidar da família, se preocupar com os boletos, ficar puto com o trânsito, bater as metas da empresa, seduzir alguém na balada no fim de semana, malhar o quadríceps e maratonar a última série no streaming.

A gente tinha tempo para tudo, menos para nós mesmos.

E é nessa inversão que estamos vivendo agora e é por isso que você deve estar pirando.

Se você estudar a evolução humana, você percebe que mais do que forte ou inteligente, teve uma característica que foi determinante para a gente dominar o planeta todo. Essa característica é a resiliência, ou seja, a facilidade de se acostumar com coisas novas. Essas coisas novas antigamente eram coisas naturais como uma alimentação diferente, uma mudança de clima, não ser morto por animais com hábitos diferentes dos de onde você estava.

Hoje em dia, essa resiliência vem de aceitarmos que trabalhamos muito, que moramos em cidades opressoras, que nos alimentamos mal, que nos relacionamos mal e muitas outras coisas. Essa facilidade de se acostumar é o que fez a gente chegar até aqui.

O problema é que a gente se acostumou a não se ouvir e a não se respeitar. A gente começou a seguir as vontades de outras pessoas e não as nossas de verdade. A gente começou a seguir padrões impostos por grupos que não eram os nossos. A gente deixou de se sentir naturalmente bem, mas nunca deixamos de ir atrás de coisas que fazem a gente se sentir artificialmente bem.

Mas uma hora essa bolha estoura. Todo mundo conhece um amigo ou colega de trabalho que abandonou tudo e foi atrás do sonho de morar no mato ou ser dono de uma cafeteria artesanal. Essas histórias pareciam ser exceções para a regra que devemos ter para nosso plano de carreira na empresa que a gente odeia o chefe e, principalmente, odeia o cafezinho.

No mundo antigo, a gente não tinha tempo de ouvir a gente e, até quando tinha, a gente meio que deixava para lá pois tinha outras coisas para fazer que pareciam mais importantes. Algumas pessoas eram obrigadas a ouvir, como seu amigo que cansado cafezinho ruim da firma, pegou as economias e abriu sua cafeteria.

Mas agora em casa, a gente está tendo tempo e silêncio para ouvir a nossa voz de dentro. Ouvir nossos desejos, questionar nossas decisões e as decisões das pessoas a nossa volta. E muita gente está sentindo que a voz interior delas está falando o oposto do que a vozes exteriores querem dela. Seja no trabalho, nos relacionamentos, em qualquer esfera da vida.

Por isso, muita gente está pirando. Por que essa é a primeira vez desde que era criança, que estamos conseguindo ouvir a nossa própria história e não só seguir a dos outros. E é aí que nasce a oportunidade. A oportunidade de quando isso tudo acabar a gente se respeitar e se ouvir mais. Da gente entender que a história e desejos do outro, não são os nossos. Que a gente pode estar fazendo coisas que são esperadas da gente e não coisas que a gente realmente quer e precisa.

Para mim, essa é uma das razões que do outro lado da crise do Coronavírus, a gente vai estar em um mundo novo. Não é nem tanto pela nova ordem mundial, econômica e política que vai se formar, mas por que a gente está sendo obrigado a viver no nosso mundo interno, e quem conseguir ouvir, entender e respeitar essa voz, vai ser impossível de voltar para o mundo antigo. Essa é a oportunidade que estamos de frente nessa crise.

Antes de ir embora só relembrar que, se você começar a sentir muito mal e tiver sintomas de depressão, síndrome do pânico e afins, vai atrás de um profissional da saúde mental e física. Como os hospitais estão cheios, tenta achar serviços que atendam remotamente e fale com eles que eles vão te dizer exatamente o que fazer.

Mas se você ainda está bem aí, tenta entender o por que você está pirando e qual a oportunidade que você pode tirar disso para quebrar todas as estruturas antigas que tinha dentro do peito e da cabeça, para assim poder construir o novo.

Eu já dei a minha, e escrevendo esse texto acho que ainda estou dando, mas e você? Já deu uma pirada nessa quarentena?