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Milo Araújo

Andar de bike também é um desafio

Milo Araújo

22/01/2021 04h00

Conforme prometido no texto anterior, retorno trazendo algumas limitações do uso de bicicleta. Importante lembrar que o intuito não é desestimular o uso e sim apresentar os fatos para buscarmos soluções viáveis para uma melhoria do uso desse modal, além de trazer uma perspectiva honesta pra quem quer começar a pedalar e precisa conhecer os desafios do dia a dia do ciclista. Independente dos pontos que virão é seguir, é válido ressaltar que a bicicleta apresenta benefícios que sempre vão superar suas limitações, como extrema flexibilidade, dos benefícios diretos à saúde, da baixa perturbação ambiental e outros atributos positivos.

Vale ressaltar, porém, que nem todos são considerados problemas para usuários de países que já possuem larga tradição de uso ou mesmo para ciclistas brasileiros que fazem uso regular da bicicleta.

Raio de Ações Limitado

Essa limitação da bicicleta decorre do próprio modo de tração do veículo, baseado no esforço físico do usuário. No entanto, há uma dificuldade para se definir este raio, em termos máximos, devido à grande variação dos fatores que o influenciam e que são, de um lado, a capacidade e o condicionamento físico de cada pessoa e, de outro lado, algumas características da cidade, tais como: topografia, clima, infra-estrutura viária e condições de tráfego. O raio de ação limitado deixa de ser um fator desfavorável quando a bicicleta é utilizada como meio de transporte complementar e integrada a terminais de transporte sobre pneus e metroferroviários. Quanto menor a cidade, em termos de população, maior a participação dos ciclistas na repartição modal das viagens urbanas, de acordo com pesquisa realizada pela ANTP.

Da mesma forma, nas menores cidades, maior é também a disposição dos ciclistas em percorrer distâncias maiores. No entanto, pesquisa realizada em Santo André/SP constatou que existem muitos ciclistas que pedalam mais de 4 horas diárias nas viagens de ida e volta ao trabalho, apenas para economizar o valor da tarifa do transporte coletivo. O motivo do deslocamento e o tamanho da cidade parecem influenciar fortemente a disposição dos ciclistas quanto à distância a percorrer.

A competitividade da bicicleta em relação a outros modos, nas viagens urbanas de até 5 km, constitui forte argumento para se adotar políticas em favor desse veículo. Todavia, baseado em vários estudos, aceita-se um "limite teórico" de 7,5 km como o raio ideal das viagens ciclísticas urbanas. Para uma velocidade média de 15 km/h, isto seria correspondente a uma viagem com duração máxima de 30 minutos.

Sensibilidade às elevações

O percurso do ciclista é particularmente afetado por ondulações fortes do terreno e, obviamente, uma topografia acidentada desestimula o uso da bicicleta. Sendo este veículo movido pelo esforço humano, as elevações suportáveis relacionam-se com o desnível a vencer e, segundo estudos realizados na Holanda, há algumas décadas, para um desnível de 4 metros, por exemplo, 5% de inclinação seria o máximo indicado, ficando em 2,5% a elevação considerada normal.

Assim, quanto maiores os desníveis, menores os valores correspondentes de elevação. É preciso considerar novos fatores que contribuíram para alterar estes parâmetros, como a evolução tecnológica da própria bicicleta nos últimos anos, que além de torná-la mais leve, aperfeiçoou o sistema de marchas. Além disso, a simples configuração topográfica de uma cidade não determina, automaticamente, a sua viabilidade para o ciclismo. A tendência natural é o desenvolvimento de ciclovias em direções que suavizam o percurso, evitando locais com muita inclinação.

Dessa forma, somente em locais muito acidentados tornam o uso da bicicleta inviável. Em geral, numa viagem qualquer, ao se deparar com uma ladeira mais inclinada, que lhe exigiria um esforço exagerado, o ciclista simplesmente desce e percorre aquele segmento empurrando seu veículo. Finalmente, um grande diferencial de desempenho nos aclives advém do condicionamento físico do usuário, observando-se, todavia, uma tendência à supervalorização das elevações, consideradas como obstáculo, por parte dos não-usuários e daqueles que fazem uso pouco habitual da bicicleta.

Exposições às Intempéries e à Poluição

De todos os usuários de veículos em áreas urbanas, o ciclista é o que está mais exposto aos rigores do clima: no Centro-Sul do Brasil, ao frio intenso dos dias de inverno, e na parte setentrional (Norte e Nordeste), à insolação e ao calor que predominam ao longo do ano. Em todas as regiões, naturalmente, a chuva incomoda o ciclista, em menor escala no Nordeste, onde as precipitações são menos pronunciadas e mais incertas. Influem, também, o grau de umidade e a intensidade do vento, acentuando a sensação térmica. Esses problemas são importantes, mas há também uma tendência a supervalorizá-los, da parte dos que não usam a bicicleta de forma habitual. Há diversas formas de atenuá-las, como o uso de vestimenta adequada e a arborização dos trajetos, entre outras.

Vulnerabilidade física do ciclista

A baixa segurança no tráfego é, sem dúvida, o maior fator de desestímulo ao uso da bicicleta como meio de transporte. Além da natural ausência de proteção dos ciclistas, este fator é agravado pelo comportamento inadequado de uma parcela significativa desses. Concorre também para isto o preconceito generalizado dos motoristas, em particular dos condutores de veículos pesados, por desconhecimento da legislação que concede ao ciclista, em muitas situações, o direito prioritário do uso das vias. Em cada dez colisões envolvendo ciclistas, de oito a nove acontecem nos cruzamentos. Outras causas de acidentes, em escala menor, são as aberturas de portas e as operações de ultrapassagem dos automóveis pelos ciclistas.

Estudos revelam ainda que estas ultrapassagens são as situações mais temidas por ciclistas inexperientes, que receiam serem colhidos por trás, ao compartilharem a via com autos no mesmo sentido de tráfego. Por outro lado, este mesmo tipo de ciclista subestima o risco de acidentes nas interseções. Entretanto, um ciclista experiente e responsável tende a sentir-se relativamente seguro, adotando forma defensiva de conduzir. Os problemas de trânsito são essencialmente de comportamento e educação, mas a psicologia tem um papel relevante na pesquisa e na promoção de mudança das situações adversas.

No Brasil, a precariedade dos dados sobre acidentes com ciclistas dificulta estudos sobre a busca de soluções adequadas. Um documento da Dinamarca, do ano 2000, mostrou que, em Copenhagen, observações de policiais demonstram que, em 2 de cada 3 acidentes envolvendo veículos automotores e bicicletas, a culpa do sinistro pode ser atribuída aos automóveis. Este dado é tanto mais expressivo quando se observa que na capital dinamarquesa a bicicleta responde por mais de 30% do tráfego geral.

Vulnerabilidade ao furto

Outro fator desestimulante ao uso da bicicleta é a vulnerabilidade ao furto, pela inexistência de estacionamentos seguros em locais públicos. Essa situação é mais agravada ainda pela ausência de estacionamento para bicicletas em terminais de transportes coletivos, que possibilitaria não somente a integração de dois modais, mas também garantiria ao ciclista a ampliação da sua mobilidade e os destinos de suas viagens em segurança. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, foram registradas 9,1 mil ocorrências envolvenådo bicicletas no estado entre janeiro e setembro deste ano. Destas, 7.787 foram de furto e 1.408 foram de roubo.

Mas algumas sugestões podem ser postas em práticas para atenuar essas questões todas expostas:

  • Recursos para investimentos em bicicletários voltados à integração bicicletas/modos coletivos de transportes em mais pontos estratégicos.
  • Recursos para montagem de cartilhas voltadas a orientar os ciclistas quanto a procedimentos de segurança para a guarda de seus veículos;
  • Melhoria da operação e da segurança dos bicicletários públicos;
  • Treinamento de agentes de segurança.

Essas e outras infos podem ser encontradas no Caderno de Referência para elaboração de Plano de Mobilidade por Bicicleta nas Cidades no site.

Fonte: ANTP - Sistema de Informações de Transporte e Trânsito - 2003.