Apropriação cultural e o mercado internacional da moda
A Prada lançou na última semana a polêmica coleção "PreFall 2020", que inclui uma sandália de couro trançado, curiosamente semelhante àquelas tipicamente brasileiras, produzidas por artesãos do nordeste e comercializadas na feira de Caruaru. Enquanto nossa sandália - um patrimônio cultural - pode ser encontrada à venda por menos de R$ 50, o calçado da marca italiana custa 650 euros - mais ou menos R$ 4 mil.
Foi cobrado um posicionamento da marca, acusada de apropriação cultural e o debate, além do plágio, centrou-se na percepção coletiva sobre a dinâmica amplamente praticada pelos mercados internacionais da moda de extração de riqueza de produtos tradicionais.
As denúncias são pertinentes. Afinal, a sociedade capitalista coisifica tudo (até a cultura). E considerando nosso passado escravagista, o racismo compõe, de forma estrutural, a equação do capitalismo subdesenvolvido brasileiro.
Entretanto, é interessante explorar fatores para além da apropriação cultural, como: as razões pelas quais trabalhadoras(es) do artesanato brasileiro não se encontram organizadas(os) em um processo produtivo e de circulação efetivamente competitivo e o que faz com que a sandália da coleção da Prada pareça mais atraente - e valiosa - que o produto nacional.
A profissão de artesão só foi reconhecida pelo Estado brasileiro em 2015. A partir deste marco super recente, políticas públicas de estruturação, crescimento, fortalecimento e comercialização desta atividade passaram a ser pensadas.
Acreditem ou não, milhões de brasileiros(as) artesãos(ãs) geram uma arrecadação bruta nacional na casa dos bilhões todos os anos. Isso mostra a importância do setor, que guarda alto potencial de crescimento e garante muitos postos de emprego, o que torna a negligência que o atinge, no mínimo, um grande desperdício de gente e de talento.
Assim, o artesanato nacional depara-se com uma encruzilhada: se por um lado ele tem potencial para alavancar o desenvolvimento regional - vide a "inspiração" da Prada - dificuldades gigantescas o atravessam.
A desigualdade regional é fator-chave para entendermos essa desvalorização da cultura nordestina e do Norte. Tais regiões, historicamente mais castigadas pela miséria, herdam um estigma que nos faz desvalorizar a cultura local, a ponto de a Prada surgir com uma sandália igual a aquela produzida lá, e vendê-la por centenas de euros.
Por isso, mecanismos constitucionais e da legislação empresarial foram pensados para proteger produtos regionais: registro e procedimentalização, ampliação da oferta de crédito, pesquisas e mapeamento do setor e incentivo ao turismo cultural, por exemplo. O problema é que dispositivos jurídicos não se executam espontaneamente, o que nos remete ao fator político da equação.
Para além da importantíssima denúncia de apropriação cultural, pensemos caminhos de fomentar (via instrumentos disponíveis ao Estado) políticas de aprimoramento da produção, circulação e consumo, para que nossos produtos regionais alcancem consumidores em todas as regiões e destaque internacional.
O papel do Estado é fundamental no planejamento e execução de uma política cultural, nacionalmente coordenada com as necessidades e especificidades locais. É isso que possibilita o acesso e consumo de produtos brasileiros, em detrimento de uma Prada copiada de 650 euros.
Esse é o caminho para fomentar a cultura nacional, revertendo aos artistas, responsáveis pela concepção e criação destes valiosos produtos, a renda que lhes é devida. Fica o desafio da denúncia, mas não só. Subverter o status quo passa, necessariamente, por pensar, de forma criativa, saídas para o povo brasileiro!
Beatriz de Santana Prates é mestranda em Direito Político e Econômico.
Laís Ribeiro (IG: @aalaisribeiro) é advogada, produtora cultural e artista multitarefas.
Melissa Cambuhy (IG: @melissa.cambuhy) é Mestra em Direito, professora e pesquisadora sobre desenvolvimento nacional, produz conteúdo sobre o tema.
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