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Milo Araújo

Protesto dos carrocratas

Carreata em Curitiba (PR) pede o fim da quarentena - EDUARDO MATYSIAK/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Carreata em Curitiba (PR) pede o fim da quarentena Imagem: EDUARDO MATYSIAK/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

30/03/2020 04h00

Semana passada aconteceu em algumas cidades brasileiras uns protestos bastante atípicos. Algumas pessoas de direita agitaram suas redes de zap e afins e organizaram carreatas. Vários carros saindo de casa ao mesmo tempo e percorrendo um determinado percurso. Qual o objetivo que buscam? O fim do regime de isolamento social imposto pelos governadores dos Estados por conta do coronavírus.

Indo na contramão das indicações da Organização Mundial de Saúde e da conduta de outros países do mundo, grupos incitados por Jair Bolsonaro levantam a bandeira do abandono da quarentena em prol da salvação da economia (e em detrimento da saúde dos trabalhadores que movimentam essa mesma economia a partir da base, mas essa parte eles não escreveram no cartaz). O que esse protesto da direita tem de diferente é um elemento fascinante: o carro. Que o carro dava para os motoristas com tendências egocêntricas ilusões de onipotência, todo ciclista que está na rua todo dia já sabia. Porém, que esta ferramenta seria usada num protesto político, isso sim é de se admirar.

Sinceramente, esta notícia me deixou perplexa. Perplexa com o nível de desumanidade a que chegaram os que clamam pelo retorno prematuro da normalização das atividades cotidianas. Sem falar na impressionante imagem que é uma fila de carros se formando em cidades vazias. Isso mostra que o que essa gente gosta mesmo é de ficar no trânsito, não é mesmo?!

Mas a pergunta que não quer calar é a seguinte: por quê eles organizaram o protesto a partir da segurança de seus SUV's? Se é tão importante que voltemos agora com o dinamismo da economia, por que não foram estes protestantes os primeiros a voltarem para suas atividades regulares? Estaria eu sendo muito pessimista ao supor que essas pessoas acreditam genuinamente que existe uma classe de pessoas que precisam se sacrificar para que elas mantenham suas vidinhas como sempre foram, vazias e fáceis? Até por que sabemos que o grosso da população não conta com a comodidade do carro para ir e voltar em segurança.

Novamente temos o fator locomoção como indicador de desigualdades sociais.

Só que neste contexto as coisas ficam mais acirradas, pois estar em contato com a rua pode significar a morte de muitas pessoas. Nunca antes foi tão importante rever e revisar em qual lógica opera o nosso ir e vir, e não menos importante, se perguntar: Qual será o momento em que aqueles que se escondem atrás de seus carrões se prostrarão em frente àqueles que realmente fazem a economia girar de fato?