Diretora do Pacto Global aponta: comunicação pode afetar saúde mental
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Quantas vezes ficamos atordoados porque não conseguimos responder a todas as demandas - quase sempre urgentes - que chegam ao mesmo tempo por diversos meios, como celular e redes sociais? Não estamos preparados para tanta sobrecarga de informação e para a exigência de respostas tão rápidas. Quem falha primeiro, neste caso, é a saúde mental. A opinião é de Adriana Alves, Diretora de Pessoas, Governança e Integridade (CPO) do Pacto Global da ONU - Rede Brasil. A executiva é também educadora, palestrante, conselheira de organizações, como a Fiesp, e especialista em saúde mental no mundo corporativo.
"A pandemia nos trouxe uma estrutura melhor do trabalho online, mas, por outro lado, também veio uma demanda altíssima de informações para administrar. Estamos todos no mesmo barco: ninguém aguenta mais tanta coisa para responder com rapidez. E os resultados já estão preocupando as empresas, com cada vez mais afastamentos e sinistros nos planos de saúde", afirma.
Para cuidar desta questão, o Pacto Global da ONU - Rede Brasil propôs a iniciativa Mente em Foco, em que convida empresas e organizações brasileiras a agir em benefício de seus colaboradores, combatendo estigmas e trazendo a pauta da saúde mental para o centro das decisões. O objetivo é que a saúde mental seja tratada não apenas como uma medida emergencial, mas de forma preventiva e humanizada. Segundo Adriana, atualmente a iniciativa já conta com a adesão de 93 empresas - a ambição é chegar em 2030 com ao menos 1.000 companhias, impactando 10 milhões de trabalhadores.
"Para atuar na prevenção é preciso engajar as altas lideranças. São elas que vão direcionar os investimentos para mudar estes ponteiros preocupantes da saúde mental. O líder precisa ter uma escuta ativa e bilateral. Como entender quando a equipe está precisando de ajuda? Ora, com lideranças mais inclusivas", provoca a executiva.
Na entrevista a seguir, Adriana explica melhor de que forma entende este papel das lideranças hoje em prol da saúde mental corporativa, como a comunicação está diretamente ligada a estes resultados, e por que a orientação deve estar no caminho da diversidade.
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Ecoa: Como está a saúde mental hoje dentro das organizações?
Adriana Alves: Existe uma pressão que vem por todos os lados e as pessoas simplesmente não estão dando conta. É um reflexo da pandemia em que houve um aumento do trabalho online. Além da alta demanda de trabalho, com equipes enxutas, percebo que a comunicação está cada vez mais rápida e isso vem trazendo uma dificuldade de relações. Muitas vezes você recebe uma mensagem e não entende bem o tom e isso gera ansiedade. As lideranças não conseguem tangibilizar o que acontece do outro lado e muitas vezes não percebem que sua equipe precisa de ajuda.
Ecoa: Qual o papel das lideranças para tornar o ambiente de trabalho mais saudável?
Adriana Alves: Para mim, saúde mental significa antecipar o problema e não remediar depois. E isso está diretamente nas mãos das lideranças. Elas precisam estar engajadas neste processo, encarar a saúde mental com a mesma importância que encaram a saúde física e a entrega de resultados. Estes resultados tão cobrados vêm através de pessoas. Se a gente não olhar para elas, prevenindo e acompanhando sua saúde, não teremos mais pessoas muito menos resultados. O líder é o guardião da cultura de uma organização, é aquele que deve promover uma conversa e uma escuta mais ativa, que precisa ser bilateral. Ele deve criar relações de autonomia, segurança psicológica, que permite que a equipe desafie o ambiente e mostre outros caminhos. Com segurança, o líder consegue mapear melhor o ambiente em que trabalha.
Ecoa: Como este líder faz isso?
Adriana Alves: Em primeiro lugar, melhorando a comunicação, que não dá para seguir como está. E com inclusão, diversidade. É importante olhar para o Brasil com suas especificidades: somos um dos países mais ansiosos do mundo, com o maior índice de turnover (rotatividade empresarial) do planeta. Quem é o brasileiro dentro das instituições? Temos muitas camadas para serem vistas, como questões raciais e de gênero. Precisamos trazer estes recortes. Pessoas com deficiência e mulheres são as mais impactadas em saúde mental.
Ecoa: Saúde mental e diversidade andam juntas?
Adriana Alves: Sim. O Pacto Global vem falando de diversidade nas empresas há quase 4 anos, usando situações pontuais que ocorreram no mundo, como a morte de George Floyd, por exemplo. Os avanços estão acontecendo bem devagar. Divulgamos junto com o CEERT, neste mês, os primeiros dados da pesquisa sobre as ações relacionadas às áreas de Diversidade, Equidade e Inclusão das empresas brasileiras. Para quase 94% das empresas pesquisadas, os investimentos em diversidade, equidade e inclusão aumentaram ou ficaram no mesmo patamar em 2023. A pesquisa mostra que ainda é um desafio promover o engajamento das altas lideranças nas empresas e aponta para a dificuldade de trazer essas pessoas para um debate crítico sobre equidade racial. Outro ponto que o estudo revela é que a promoção para pessoas negras nessas corporações segue a passos lentos. Então o papel do Pacto é seguir como agente desta transformação. Kofi Annan dizia que não vai andar só com os anjos e sim com quem ele precisa transformar.
Ecoa: Quem são as pessoas mais beneficiadas nas políticas de diversidade das empresas?
Adriana Alves: As mulheres brancas. É quase um drible quando a gente fala de diversidade. O gargalo é olhar para pessoas negras e com deficiência. E aqui estou falando de mim: sou uma mulher negra que veio da zona leste de São Paulo. Tive uma trajetória solitária de estar em lugares em que negros não tinham nenhuma representatividade. Fui abrindo portas. Por isso é preciso ter conversas com quem nunca ouviu essas histórias. É assim que trazemos as lideranças para perto. Se a nossa comunicação não chega em quem vai transformar, não adianta. É o papel do Pacto, é o meu papel. Costumo dizer assim: Vou falar sobre assuntos que vão doer, mas são necessários.
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